drama
A incrível história de Lina Medina
A menina peruana que entrou para a história da Medicina por ter sido mãe aos 5 anos há mais de seis décadas vive hoje na miséria, sem assistência do governo
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Da Reuters
Os pais de Lina Medina pensavam que sua filha de 5 anos tinha um enorme tumor no abdômen. Quando nem os feiticeiros de sua remota vila nos Andes peruanos conseguiram encontrar a cura, o pai de Lina decidiu levá-la para o hospital. Um mês depois, ela deu à luz um menino. Tinha apenas cinco anos, sete meses e 21 dias de idade quando foi submetida à cesariana em maio de 1939. A menina entrou para a história da medicina e ainda é considerada a mãe mais nova do mundo.
Naquela época, o governo peruano prometeu à família uma ajuda que nunca chegou. Seis décadas depois, Lina vive com o marido numa casa apertada em um distrito pobre e com alta taxa de criminalidade da capital peruana, conhecido como ‘‘Pequena Chicago’’. Agora com 68 anos, Lina cuida de si mesma e sempre rejeita pedidos para relembrar o passado. Gerardo, o filho que ela teve quando ainda era uma criança, morreu em 1979 aos 40 anos.
Mas um novo livro, escrito por um obstetra que se interessou pelo caso, chamou a atenção para a história de Lina novamente e para o fato de que provavelmente será tarde demais quando o governo peruano oferecer ajuda financeira e outras assistências a ela. ‘‘O governo os condenou a viver na pobreza. Em qualquer outro país eles seriam objeto de cuidados especiais’’, disse José Sandoval, autor de Mãe aos Cinco Anos. ‘‘Ainda temos tempo para reparar os danos causados a ela. Esse é meu objetivo fundamental.’’
Sandoval levou o caso de Lina ao gabinete da primeira-dama, Eliane Karp, e pediu ao governo que dê a ela uma pensão vitalícia — algo que algumas autoridades dizem ser possível. ‘‘Estamos querendo muito ajudá-la’’, disse a porta-voz Marta Castañeda. Mas Suni Ramos, do departamento de ação social do gabinete de Karp, explicou que o governo precisa discutir com Lina quais suas necessidades antes de presenteá-la com uma pensão ou outro tipo de ajuda que está sendo estudada — como uma cozinha ou utensílios domésticos. Os funcionários ainda estão tentando entrar em contato com ela e a família.
Sem esperanças
O marido de Lina, Raul Jurado, disse que sua mulher perdeu as esperanças. ‘‘Que eu saiba, ela não recebeu ajuda nenhuma (em 1939)’’, afirmou Jurado. ‘‘Ela acredita que os governos nunca dão nada. Talvez hoje seja feita uma promessa que nunca se tornará realidade’’. Jurado disse que Lina — cuja história é contada num livro clássico da Medicina e foi comprovada pelas associações norte-americanas de obstetras e ginecologistas — não quis dar entrevista.
Ninguém nunca descobriu quem é o pai de Gerardo ou confirmou que Lina ficou grávida após ser estuprada. Uma de nove irmãos nascidos na vila indígena e andina de Ticrapo, na província mais pobre do Peru, a uma altitude de 2.250 metros, Lina é considerada o caso mais jovem de puberdade precoce da história, segundo Sandoval. Ele disse que Lina teve a primeira menstruação aos 2 anos e meio e ficou grávida aos 4 anos e oito meses. Quando foi submetida à cesariana, os médicos constataram que ela já tinha os órgãos sexuais totalmente desenvolvidos.
Sua barriga crescente preocupou os pais. ‘‘Eles pensavam que fosse um tumor’’, contou Sandoval. Mas os xamãs descartaram superstições da vila — incluindo uma segundo a qual uma cobra cresce dentro da pessoa até matá-la — e recomendaram que ela fosse levada a um hospital da cidade grande mais próxima, Pisco. Ali ficaram sabendo que Lina estava grávida.
O pai foi preso temporariamente por suspeita de incesto — acabou libertado por falta de provas — e doutores, policiais e até uma equipe de filmagem chegaram à vila para investigar o caso. Sandoval baseou seu livro na imprensa, em outras informações publicadas e entrevistas com parentes de Lina, que se recusa a falar sobre o assunto. Ele disse que as notícias sobre a mãe precoce renderam manifestações imediatas de ajuda, incluindo uma oferta recusada de US$ 5 mil, feita por um empresário norte-americano.
Mais ofertas se seguiram depois que Lina foi transferida para um hospital em Lima, onde o bebê saudável, de 2,7 quilos, nasceu em 14 de maio de 1939, dia das mães. Uma delas era de US$ 1 mil por semana, mais despesas, para que Lina e o filho fossem exibidos na Feira Mundial em Nova York. Em junho do mesmo ano a família aceitou uma outra oferta, de um empresário norte-americano, para que mãe e bebê viajassem aos Estados Unidos, onde cientistas estudariam o caso. A proposta incluía a criação de um fundo para garantir o conforto financeiro dos dois durante toda a vida.
Mas em poucos dias o Estado proibiu todas as ofertas anteriores, decretando que Lina e o filho estavam em ‘‘perigo moral’’, e decidiu criar uma comissão especial para protegê-la. ‘‘Abandonaram o caso depois de seis meses. Não fizeram absolutamente nada por eles’’, disse Sandoval.
Final feliz?
Apesar de psicologicamente amadurecida, Lina — que segundo Sandoval é mentalmente normal e não demonstra qualquer sintoma médico fora do comum — ainda agia como uma criança, preferindo brincar com suas bonecas do que dar atenção para o bebê, que era alimentado por uma enfermeira. Lina ficou no hospital por 11 meses e finalmente voltou para a família após o início de procedimentos legais que levaram a Corte Suprema a permitir sua convivência com os pais.
Depois de ser ridicularizado pelos colegas de escola, Gerardo — cujo nome foi uma homenagem a um dos médicos que atenderam Lina — descobriu aos 10 anos que aquela garota que ele acreditava ser sua irmã era na verdade sua mãe. Ele morreu em 1979 de uma doença que atacou a medula dos ossos, mas, segundo Sandoval, não há certeza de vínculo entre a enfermidade e o fato de sua mãe ter engravidado tão precocemente.
Lina casou-se e em 1972 teve outro filho, 33 anos depois do primeiro, que agora vive no México. Ela parece ter transformado sua história bizarra em objeto de tabu. ‘‘Só queremos continuar nossas vidas, só isso’’, diz Jurado, acrescentando que não sente ‘‘absolutamente nada’’ pelo fato de sua mulher ser a mãe mais nova do mundo. Ele contou que a maior preocupação do casal, se a oferta de ajuda do governo for mesmo genuína, é receber o valor de uma propriedade que pertencia a Lina, mas acabou expropriada pelo Estado há mais de duas décadas. Essa casa foi destruída e em seu lugar existe hoje uma estrada.
Jurado disse que o valor do imóvel era de ‘‘mais ou menos US$ 25 mil’’, e a solução desse problema encerraria uma longa batalha judicial para conseguirem de novo uma casa própria. Os dois vivem numa residência modesta, no caminho de um beco escuro parcialmente interditado por placas de madeira, numa vizinhança barra-pesada conhecida pelos moradores locais como ‘‘paraíso dos ladrões’’.
‘‘Se o governo realmente quer ajudar, deveria nos dar o valor de nossa propriedade’’, afirmou Jurado. Quanto a Sandoval, ele está otimista de que a história de Lina, que ele vem acompanhando desde os tempos de estudante, termine bem: ‘‘Eu acredito que haverá um final feliz’’.
2006-09-25 08:28:33
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answer #2
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answered by tony 2
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