Como consolar um sofredor? O sofrimento é ativo. O conhecimento é intelectual, passivo e requer condições que o proporcionem.
C. S. Lewis escreveu: “... quando a dor surge, um pouco de coragem ajuda mais do que muito conhecimento, um pouco de simpatia humana ajuda mais do que muita coragem, e um pingo do amor de Deus ajuda mais do que tudo”.
Quando perdeu a pessoa que amava, vÃtima de um câncer, C. S. Lewis bradou: “Entrementes, onde está Deus? Este é um dos problemas mais inquietantes. Quando a pessoa se sente feliz, tão feliz que nem parece precisar dele, e a ele se chega a fim de louvá-lo, é recebida de braços abertos. Mas, o que acontece quando você a ele se dirige em situação desesperadora, baldados todos os seus esforços? A porta se lhe fecha, e por dentro é aferrolhada duplamente. Depois, silêncio. DaÃ, parece ser melhor a pessoa se afastar”.
As aparições de Deus lembram-me os lampejos de luz vindos de um farol, são sempre acompanhadas por um perÃodo de escuridão silenciosa.
A poetisa Emily Dickinson escreveu:
“Ã claro que orei
E importou-se Deus?
Importou-se tanto como se no ar um pássaro batesse o pé...
Não vi qualquer caminho.
Os Céus estavam costurados”.
Que Ele pode curar e à s vezes assim o faz, não há dúvida. Mas esperar que os doentes sejam curados e os mortos ressuscitados tão regularmente quanto esperamos que os pecadores sejam perdoados, é esperar o “já” e ignorar o “ainda não”. Como escreveu o teólogo Emil Brunner: “nos escritos dos profetas os ‘não’ são muito mais freqüentes do que os sim, assim como a mais excelsa revelação de Deus é a cruz”.
Cada um de nós, possui alguma deficiência, que Deus poderia resolver com um sussurro. Mas ele prefere deixar-nos com nossas fraquezas. Paulo escreveu: “Mas trazemos este tesouro em vasos de argila, para que esse incomparável poder seja de Deus e não de nós” (II Cor. 4:7). Converse com outros cristãos, a maioria tem um “se ao menos” que impede uma vida ideal. Com referência a essas dificuldades, o Senhor repete tranqüilamente: “A minha graça te basta, o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (II Cor. 12:9).
Quando as palavras não conseguiram exprimir uma resposta sobre a injustiça, Deus respondeu não com um discurso bem elaborado, mas com uma encarnação. Ele vestiu a matéria da vida, e experimentou a injustiça despido de auto-defesa.
Ele se fez maldição em nosso lugar. A cruz que mantinha o corpo de Jesus ensangüentado, expôs de forma lÃmpida toda a violência e injustiça humana. O ato mais injusto da história venceu o mal do mundo. A cruz revelou o tipo de mundo no qual vivemos e o tipo de Deus que nós temos.
Deus não prometeu isenção de problemas e sofrimento. Não há uma lei de imunidade cristã. A sexta-feira da paixão liquida qualquer ilusão sobre a justiça nesta vida.
No Getsêmani e no Calvário, de uma forma inexprimÃvel, o próprio Deus se viu obrigado a confrontar o ocultamento de Deus. “Deus lutando com Deus” é a maneira como Martinho Lutero resumiu a luta cósmica ocorrida nas duas traves de madeira. Naquela escura noite, Deus aprendeu por si mesmo todo o alcance do que significa ser uma pessoa humana.
Essa noite sombria da alma, quando as orações não são respondidas, quando o sentimento de proximidade com Deus desaparece, quando o desespero invade a alma, convida-nos a caminhar ao Getsemâni e dali ao Calvário: “Faça-se a tua vontade” e “Deus meu, por que me desamparaste” (Mt.26:39; 27:46) são palavras entoadas pelo Filho de Deus, nosso companheiro em nossa difÃcil jornada na terra. Jesus nos conclama a viver uma fé, nas palavras de Moltmann, “apesar de”. Caminhar com Cristo é viver, morrer e ressuscitar com ele.
Quando sinto a fé esmorecer, passeio pelo Getsemâni, e revejo mentalmente os momentos angustiantes e tensos que Jesus viveu. O cálice do abandono leva-me a “vigiar” durante a noite sombria da alma. Esse eclipse de Deus é acompanhado pelo EspÃrito que em nós habita, e, quando perdemos Deus de vista é ele quem intercede por nós. Se o EspÃrito de Deus permanece comigo, é porque a realidade que imagino não passa de mera aparência, Deus está presente mesmo em sua ausência.
Hoje, não lanço tantos “Por quês?” aos céus. Por que aquela jovem recebeu sangue contaminado? Por que um jovem servo do Senhor sofreu um acidente num aeroplano e passou por tanta dor e sofrimento? Por que algumas pessoas boas sofrem enquanto algumas pessoas más remam até a morte com tranquilidade? Por que tão poucas orações por cura fÃsica são atendidas? Por que crianças inocentes são estupradas e assassinadas? Não sei.
Uma pergunta, entretanto, já não me inquieta com tanta intensidade. Uma pergunta que acompanha o ser humano: “Deus se importa?” A resposta está estampada na vida de Jesus. Em Jesus, Deus nos mostrou um rosto. Jesus não eliminou todo sofrimento, ele curou apenas poucas pessoas em um pequeno território dominado pelo império romano, mas deu significado à resposta da pergunta se Deus se importa. Jesus sabia que a doença espiritual tem um efeito mais devastador do que qualquer enfermidade fÃsica. Ele não veio para prover a restauração das células doentes, e sim para restaurar a comunhão dos homens com Deus e convidá-los para uma festa no céu.
Acho estranhamente confortador saber que, quando Jesus enfrentou o sofrimento, reagiu como eu. Ele não orou no Jardim: “Ah, Senhor, sinto-me tão grato por me teres escolhido para sofrer por ti. Que privilégio!”. Não! Ele experimentou tristeza, medo, abandono e algo parecido até mesmo com o desespero. Contudo, ele suportou porque sabia que podia confiar no Deus de amor, apesar de como as coisas parecessem na ocasião.
Como disse C.S.Lewis, “podemos até desejar que tivéssemos tão pouca importância para Deus que ele nos deixasse em paz a fim de seguirmos nossos impulsos naturais, mas com isto estarÃamos pedindo menos amor e não mais de sua parte. Pedir que o amor de Deus se contente conosco como somos é o mesmo que pedir que Deus deixe de ser Deus”.
à um tipo de amor que fez com que Reb Tevye, de “Um violinista no telhado”, dissesse a Deus: “Eu sei, eu sei. Somos o povo escolhido. Mas será que não daria para, de vez em quando, escolher outro?” Não! Não dá. E é bom você se acostumar.
O conceito da cruz deixado por Jesus no mundo, o sÃmbolo da religião cristã, é prova de que Deus se importa com o nosso sofrimento. Ele morreu de dor. Atualmente a cruz é coberta de ouro e levada ao pescoço em lindos enfeites, o que mostra o quanto nos temos desviado da realidade histórica. Mas o sÃmbolo é válido, o único entre todas as religiões do mundo. Muitas delas têm deuses. Mas o cristianismo tem um Deus que se preocupa com o homem de tal maneira que se tornou homem e morreu.
Em um mundo que exala dor, “como se pode adorar um Deus que seja imune a ela?”, pergunta John Stott. Buda está de pernas e braços cruzados, os olhos fechados, um sorriso a brincar em torno de seus lábios, isolado das agonias do mundo. Tão diferente daquela figura solitária, retorcida e torturada da cruz, os cravos atravessando as mãos e os pés, as costas em retalhos, os membros esticados a ponto de se romper, a fronte sangrando, a boca sedenta, experimentando o abandono de Deus. "Ele deixou de lado sua imunidade à dor". Adentrou o "nosso mundo de carne, sangue, lágrimas e morte". Ainda há um ponto de interrogação sobre o sofrimento humano, mas estampado em cima, há um sÃmbolo que é a maior pista: a cruz. “A cruz de Cristo ... é a única autojustificação de Deus em um mundo como o nosso”, conclui Stott.
Jesus ordenou que nos lembrássemos de sua morte quando nos reunÃssemos para adoração. Nas palavras de John Updike, a cruz “escandalizou profundamente os gregos com o seu panteão divertido, belo e invulnerável, e os judeus com as suas tradicionais expectativas de um Messias real. Mas atendeu a uma coisa profunda dentro dos homens. O Deus crucificado formou uma ponte entre nossa percepção humana de um mundo cruelmente imperfeito e indiferente e nossa necessidade humana de Deus, nosso senso humano de que Deus está presente”.
Dorothy Sayers escreveu: “Seja qual for o motivo pelo qual Deus resolveu fazer o homem como ele é, limitado, sofredor e sujeito a tristeza e morte, ele teve a honestidade e a coragem de tornar-se também homem. Seja qual for o seu plano para com a sua criação, ele cumpriu as suas próprias regras e foi justo. Nada exigirá do homem, que não tenha exigido de si mesmo. Ele próprio sofreu toda a gama da experiência humana, desde as irritações triviais da vida em famÃlia, desde as restrições constrangedoras do trabalho pesado, desde a falta de dinheiro até os piores horrores da dor e da humilhação, derrota, desespero e morte. Quando ele foi homem, agiu como homem. Ele nasceu na pobreza e morreu na desgraça, e achou que valeu a pena”.
Jesus tinha declarado que poderia chamar os anjos, a qualquer momento, para salvá-lo do horror, escolheu não fazê-lo, por nossa causa. Moltmann conclui dizendo que “a cruz, é parte de nosso sofrimento, dos nossos desprazeres e das nossas frustrações, e mostra como é profunda essa esperança”.
A cruz apresenta um Deus envolvido nos conflitos e lutas. Nosso Deus não é um ser taciturno e distante. Ele não porta-se como um budista que foge do mundo real para o monastério. Ele não transcendeu os limites terrestres, como o panteão de deuses hinduÃstas que entrelaçou-se com os mitos. Ele não portou-se como o muçulmano, empregando todos os meios; inclusive a espada, para propagar seu reino sobre a terra. Ele adentrou em um mundo convulsionado pela violência, esfacelado pelos conflitos familiares e esmagado pelas botas dos poderosos.
A BÃblia alertou para o fato de que a cruz é objeto de riso para uns e pedra de tropeço para outros, muito embora a sua realidade factual e a sua mensagem sejam o único meio de entender o grande combate da vida. à a cruz que nos convida a morrer para o ego, para que a vida de Cristo esteja em nós plenamente. Sem a cruz não há glória alguma no homem.
O Evangelho que Cristo anunciou, não rejeitava eventuais sofrimentos e dor. Pelo contrário, parte da mensagem conclamava: “Tome a sua cruz, e siga-me”. Não há gestos mágicos, a experiência cristã utiliza a fonte amarga do sofrimento, como forma de compartilhar o conforto e a esperança. Por isto temos “um sumo sacerdote que se compadece de nossas fraquezas”.
O sofrimento não é uma tragédia diabólica, cujas garras podem ser evitadas quando o cristão encontra-se em sintonia com Deus. O sofrimento faz parte da experiência com um Deus, cujos caminhos são diferentes dos nossos caminhos, e cujos pensamentos são infinitamente mais altos que os nossos.
Elizabeth Elliot escreveu: “O céu não é aqui, é lá. Se nos fosse dado tudo que queremos aqui, nossos corações se acomodariam com este mundo em vez do próximo. Deus está sempre nos seduzindo e nos afastando deste mundo, atraindo-nos para Ele e seu reino ainda invisÃvel, onde, certamente, encontraremos o que tão ansiosamente esperamos”.
Ouço um tênue eco nas palavras do personagem de Miguel de Cervantes: “A ilha vem, não há dúvida, mas as costelas vão ficando pelo caminho... (Dom Quixote)”. O céu vêm, mas os problemas nos acompanham até chegar lá. Mesmo que as ripas da costela tenham ficado pelo caminho, não se preocupe, um novo corpo glorioso está preparado para você.
A resposta mais adequada para o sofrimento, encontra-se nos evangelhos, mais precisamente no Domingo de Páscoa que demonstra objetivamente que o mal não irá triunfar. Aguarde a transformação de uma sexta-feira sombria e quieta, transformar-se em Domingo de Páscoa, cujo resplendor atingirá escala cósmica.
Deus nos abandona entregando-nos à própria sorte? Não. O Senhor da eternidade já sentiu o impacto dos punhos e da saliva em sua face, sentiu a madeira áspera rasgando as suas costas ensangüentadas, ouviu os gritos zombadores de uma multidão que o desafiava. Por isso Jesus não é uma religião, mas Deus conosco. Isso implica num relacionamento que transcende a instituição e invade o espaço sideral, a eternidade e o paraÃso.
2006-09-20 03:18:10
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answer #9
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answered by Anonymous
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