Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
Considerações Preliminares
A argüição de descumprimento de preceito fundamental se constitui no quinto instrumento de fiscalização abstrata de constitucionalidade do já eclético sistema brasileiro de controle.
Festejada por alguns como mais uma conquista democrática, na verdade apenas expõe a fragilidade das nossas ainda incipientes instituições no que diz respeito à presunção de constitucionalidade que deveria revestir todos os atos por elas produzidos.
A propósito, percebemos a existência, bem definida, de dois grupos de comentaristas desta nova modalidade de argüição principal. Quanto ao primeiro, que ingenuamente defende o novo instituto com "unhas e dentes" e acredita sinceramente que constitui um avanço no sistema constitucional de nosso país, ousamos dizer que não passam de meros inocentes-úteis. Já o segundo, maquiavelicamente, queda-se em silêncio preocupante; ora quase ouvimos suas risadas abafadas de satisfação com o caos que se instala em nome da disciplina democrática, ora percebemos em seus semblantes um indisfarçável contentamento com mais uma medida que, a pretexto do contrário, acaba por manietar ainda mais o Poder Judiciário. Parece claro que se a argüição de descumprimento não for usada com alto grau de prudência, restará por asfixiar a criatividade que deve revestir o ato de sentenciar, eclipsando a formação de uma convicção clara dos juízes das instâncias ordinárias.
No âmbito do direito comparado, trata-se de um verdadeiro recorde brasileiro. Figuramos entre o seleto grupo de países que podem "se orgulhar" de possuir, no sistema constitucional, um número significativo de remédios abstratos aptos a sanar inconstitucionalidades. Ao lado da ‘tradicional’ representação de inconstitucionalidade interventiva, da ‘aceitável’ ação direta de inconstitucionalidade, da ‘inútil’ ação de inconstitucionalidade por omissão e da ‘incongruente’ ação declaratória de constitucionalidade, surge mais essa.
É natural que a eficiência do remédio seja sempre proporcional ao mal que se pretende erradicar, ou seja, quanto maior a praga, mais concentrado deve ser o pesticida e, conseqüentemente, piores os efeitos colaterais que produzirá, ocasionando grave desequilíbrio ao "ecossistema" constitucional.
Motivos para festejar teremos no dia em que, nesse país, o exercício da fiscalização abstrata e concreta de constitucionalidade atingir níveis ao menos aceitáveis. Nesse dia sairemos às ruas, gritando a plenos pulmões que a democracia definitivamente fincou suas poderosas raízes em solo pátrio. Até lá nos resta com desalento acadêmico peculiar entabular alguns comentários pobres, porque tristes, acerca desse novo (?) instrumento constitucional "democrático".
A regulamentação da argüição de descumprimento de preceito fundamental surge com o claro propósito de combater a conhecida "indústria de liminares", esquecendo seus artífices que, não raro, a proliferação de decisões reconhecendo a inconstitucionalidade de uma norma jurídica deve-se ao fato de que a norma em questão é efetivamente inconstitucional. Mais uma vez imputa-se ao Judiciário deslizes do Executivo e/ou do Legislativo.
Resta-nos advertir ao leitor que essas palavras não devem ser entendidas como fruto de um pessimismo mórbido, mas, antes, como um desabafo de professores combalidos pelos rumos tortuosos que o Direito Constitucional vem tomando neste país. A pretexto de buscar atalhos para definitiva instauração da democracia no constitucionalismo brasileiro, vivemos uma cruzada semelhante à de Parcifal na busca do Santo Graal. Uma parafernália de remédios e contra-remédios constitucionais que a pretexto de esclarecer mais parecem querer confundir o que é simples: sem a efetividade de uma justiça social plena a democracia não passa de (qui)mera criação mitológica.
Se, por um lado, a chamada jurisdição constitucional se amplia, por outro essa mesma necessidade de ampliação apenas denota o quão fragílimo é o princípio da supremacia da vontade constitucional sobre as demais vontades políticas e econômicas de um Estado que tem a pretensão de qualificar-se como democrático.
Afasta-se, portanto, o Direito Constitucional da objetividade e da pureza que devem norteá-lo, sucumbindo às tentações do formalismo exacerbado. E o mais triste disso tudo é que a maioria dos constitucionalistas nem disso se apercebe.
Tá bom?
2006-09-19 02:31:35
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answer #1
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answered by astrorei, carioca e busólogo 6
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