Com certeza a disputa não seria tão acirrada ou custosa. O texto abaixo é bastante elucidativo do por quê de tamanho interesse.
“Quantas vezes já te disse que, depois de se eliminar o impossível, qualquer coisa que reste, por mais improvável que seja, tem de ser a verdade?”
A. C. Doyle (escritor inglês, 1859-1930),
The Sign of Four
Quanto nos custa um deputado? Embora a pergunta seja bastante simples e direta, a resposta é uma incógnita para a maior parte da sociedade brasileira. Senão, vejamos. Você seria capaz de afirmar, com absoluta certeza, qual a quantia mensal ¬¬recebida por um parlamentar, quer deputado federal ou senador, para que este venha a desempenhar a nobre e imprescindível função legislativa, asseverada pelo ordenamento jurídico e imprescindível à manutenção do Estado democrático de direito?
Bem, então teremos que calcular isso para você...
Um ano tem 365 dias. Isso dá em torno de 52 semanas. Com os 3 meses de férias (recesso), que cada um de nossos representantes goza, 12 dessas semanas são perdidas.
Para completar o cenário, persiste no Congresso Nacional o velho hábito, mantido a risca pela quase totalidade de seus membros, de só chegarem para trabalhar na terça e de não esperarem pela sexta-feira. Ou seja, dizendo de outra forma, aquelas 40 semanas restantes não têm, nem nunca chegaram perto de ter, cinco dias úteis, mas tão somente três. Multiplicando-se a quantidade de semanas pelo número de dias de presença, alcançamos... 120 dias de trabalho por ano.
Acha pouco? Mas o melhor vem agora. Subtraia desses 120 dias, as faltas, as folgas, as viagens oficiais, os compromissos político-partidários, os feriados, quer nacionais ou regionais, os conseqüentes dias imprensados e as infinitas pautas trancadas a obstruir as votações em plenário, e tire suas próprias conclusões acerca dos dias subsistentes para a prática daquilo para o qual foram eleitos.
Um deputado federal recebe, de salário líquido, R$ 12.847,20 por mês, quer trabalhe ou não. A essa bagatela, acrescente alguns adicionais, a título de verba para gabinete e escritórios representativos, contratação e pagamentos a assessores e empresas prestadoras de serviço, passagens aéreas, diárias em viagens, auxílios variados, a exemplo das ajudas de custo para correio, telefone, residência, combustível, vestuário, propaganda institucional, dentre outros benefícios, os quais são agregados ao vencimento deles. Estimativas dão conta de que, no arremate de tudo, a contabilidade fecha em R$ 413.399,00 (ou US$ 188 mil), para cada um, anualmente (1).
São 513 deputados, os quais representam um gasto de 260 milhões de reais por ano. Se contarmos com os 81 senadores, o valor salta para 300 milhões de reais. Aí, surge a idéia de uma convocação extraordinária, como a do término do período legislativo de 2005, na qual, para se fazerem presentes no Congresso ao longo de dois dos três meses de férias (recesso) - sim, pois ninguém tira deles o repouso no meio do ano -, cada deputado federal e senador recebeu, além do salário de dezembro, mais dois salários extras. Em outras palavras, levaram para casa, fora o que rotineiramente ganham, mais a irrisória quantia de R$ 25.649,40, paga em duas parcelas (ou, 15 salários em um ano). E, da noite para o dia, mais 95 milhões de reais saíram dos cofres públicos.
Refletindo melhor, o único ponto sensato nessa temática é que, num país pobre e injusto como o nosso, onde a maioria da população economicamente ativa trabalha, em média, oito horas por dia, de segunda a sábado, isso quando a pessoa não se encontra na informalidade, desempenhando atividades à margem da lei, sem qualquer proteção ou garantia, haja vista que carteira assinada é um luxo no cruel panorama da taxa de desemprego de dois dígitos, tudo em nome de um salário mínimo vergonhoso, que só assegura alimentação, saúde, educação, moradia, lazer, enfim, dignidade, na letra estanque, fria e utópica da bela colcha de retalhos em que se tornou nossa Carta Magna, esses senhores e senhoras, encaminhados ao poder pelo exercício do sufrágio obrigatório, conseguem a façanha de comparecerem poucos meses por ano no serviço, e ainda receberem, e muito bem, por isso.
Mas a convocação extraordinária foi produtiva... não foi?
Em meio a informações diversas e desencontradas, apurou-se que o cronograma inicial da Câmara previa uma pauta de 65 matérias a serem apreciadas nesse lapso de tempo, porém, de 16 de dezembro do ano passado, data de início da convocação extraordinária, até o dia 15 de janeiro deste ano, uma sessão sequer fora realizada no Congresso Nacional, por não se conseguir o quorum mínimo de 51 deputados presentes. A Justiça Federal, atendendo a uma Ação Popular impetrada com base no próprio Regimento Interno da Câmara, que estabelece como ausente, e, portanto, passível de punição, o parlamentar que não comparecer nas sessões de plenário, chegou a deferir liminar, posteriormente revogada, ordenando o corte do ponto dos faltosos e intimando os presidentes das duas Casas a prestarem esclarecimentos. Depois dessa ocorrência, o presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo (PC do B - SP), tentou explicar, e encontrou dificuldades em fazê-lo, que a lacuna devia-se não a um declarado abandono do trabalho, mas a uma prévia estratégia de reservar a primeira “fase” da convocação para o prosseguimento da labuta nas CPI’s e nas Comissões Especiais.
No mês subseqüente, o último desse trabalho excepcional, o Senado aprovou 2 Emendas Constitucionais, 8 Medidas Provisórias e 42 Proposições. Já a Câmara aprovou 5 Emendas Constitucionais, 20 Projetos de Lei, Decretos e Resoluções e 7 Medidas Provisórias, perfazendo, ambas as Casas, por volta de 45 matérias discutidas. Muita coisa? Será? Nesse intervalo de tempo, nenhum processo de cassação de deputados foi enviado ao plenário, as CPI’s não saíram do lugar, que o diga o Conselho de Ética, que, tendo funcionado apenas em parte, não andou muito, tendo votado 5 dos 11 processos de quebra de decoro que tramitam pelo órgão, sobretudo devido a boatos, que corriam nos bastidores, dando conta de um “acordão”. E, pasmem, o orçamento deste ano do Governo Federal, o qual motivou a convocação extraordinária do Congresso, que se encerrou no dia 14 de fevereiro, não foi sequer encaminhado para votação, vindo a ser aprovado somente em maio. Da equação entre o salário extra de R$ 25.649,40 e os dias de serviço resulta que, cada deputado e senador, percebeu R$ 1.172,00 por dia de trabalho.
Mas as regras do jogo mudaram... não mudaram?
Preocupados com a má imagem da instituição perante o país e com o crescente desgaste da classe face às elites, visando óbvios interesses eleitorais, num ano de acirrada corrida presidencial e de debates sobre verticalização e financiamento das campanhas, diante dos efeitos das denúncias de caixa dois e “mensalão”, que dominaram as manchetes dos jornais por quatro ou cinco meses, e num último, evidente e desesperado apelo ao aparente parco raciocínio e à memória curta dos brasileiros, que haverão de reconduzi-los à ilha da fantasia chamada Brasília, deputados federais e senadores, em votações simbólicas, optaram por “cortar na própria carne”, realizando a proeza de ir dos escandalosos 3 meses, para os menos chamativos 55 dias de férias, tendo também cumprido o ato, sem precedentes, e suficientemente altruísta, de acabarem com o salário dobrado por convocação extraordinária.
E a ação surtiu efeitos. Em agosto de 2005, segundo pesquisa do instituto Datafolha, 48% dos entrevistados consideravam ruim ou péssimo o desempenho dos parlamentares; no começo deste ano, a desaprovação caiu para 33%. Prova de que eles fizeram a lição de casa direitinho, e o noticiário especializado, deu sua contribuição, passando dias a fio promovendo o fim dos privilégios e a definitiva moralização do Congresso. Entretanto, o conto-de-fadas parece longe de um epílogo.
O fundamento legal que permite, ou ao menos permitia, a convocação extraordinária do Congresso Nacional, reside no artigo 57, §§§ 2º, 6º e 7º, da CF/88:
“Art. 57 O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1° de agosto a 15 de dezembro.
...
§ 2º - A sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias.
(...)
§ 6º - A convocação extraordinária do Congresso Nacional far-se-á:
(...)
II - pelo Presidente da República, pelos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ou a requerimento da maioria dos membros de ambas as Casas, em caso de urgência ou interesse público relevante.
§ 7º - Na sessão legislativa extraordinária, o Congresso Nacional somente deliberará sobre a matéria para a qual foi convocado, vedado o pagamento de parcela indenizatória em valor superior ao do subsídio mensal”.
Tanto o Senado como a Câmara aprovaram a proposta de alteração da Constituição que modifica esse dispositivo, excluindo, inclusive, a possibilidade de pagamentos extras por convocação extraordinária. Mas a mudança deixa exclusivamente a cargo dos próprios deputados e senadores a realização de tal medida.
Definiu-se que, daquele momento em diante, o pedido de convocação, independentemente da necessidade, deverá ser aprovado por maioria absoluta. Além disso, agora, mesmo que não tenham sido votadas a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária para o ano subseqüente, deputados federais e senadores terão sim direito ao recesso. Desaparece, portanto, o expresso pelo caput do § 2º, igualmente o § 7º. E os deputados e senadores passam a “trabalhar” no Congresso Nacional de 2 de fevereiro até 17 de julho. Depois, retornam ao trabalho no dia 1º de agosto, saindo novamente de férias no dia 22 de dezembro. Trocando em miúdos, desapareceram os pagamentos adicionais, contudo não há mais quem os obrigue a trabalhar nas férias.
Desde a promulgação da vigente Constituição, em 1988, o Congresso foi convocado, extraordinariamente, 17 vezes - imagine os recursos públicos gastos em cada uma delas -. Havia razões para isso, em todos os sentidos, e mesmo quando os parlamentares se recusavam a trocar as férias de 3 meses pelo salário em dobro, a lei assim exigia, objetivando a aprovação do orçamento federal, de maneira a não prejudicar o prosseguimento de programas sociais e de investimentos importantes, cabendo aos elencados no inciso II, § 6º, suscitar a medida, se a achassem essencial. Porém, daqui para frente, a situação tende a mudar, pois difícil será assistirmos à outra convocação.
Ainda por cima, teve muita gente tentando sair no lucro com a discussão desse bendito salário dobrado, uma vez que 104 deputados abriram mão (não é uma contagem oficial), quer total ou parcialmente, de receber o dinheiro pela convocação. Até aí tudo bem, não fosse o fato de que a maioria doou a quantia para entidades em seus redutos eleitorais. Houve, também, quem chegasse a fazer o possível para tornar público esse gesto, aparecendo na televisão e no rádio como exemplo a ser seguido, e aproveitando o espaço gratuitamente reservado na mídia para discorrer sobre o ato humanitário que cometera, ao doar ao povo... o que é do povo. Pergunta-se: Por que simplesmente não deixar essa quantia no banco? Ou melhor, por que não informar ao departamento de recursos humanos da Câmara ou do Senado de que não a deseja, ao invés de sacá-la, passear por aí com ela, de dar entrevistas em rede nacional, com o claro intuito de autopromoção, declarando o que fizera ou o que pretende fazer com o dinheiro, para, só então, doá-lo e, detalhe, no seu respectivo Estado? Melhor não seria terem deixado tais valores lá mesmo, para que viessem a ser aproveitados em algo mais importante?
“É um erro popular muito comum o de acreditar que aqueles que fazem mais barulho ao se lamentar a favor do público sejam os mais preocupados com o seu bem-estar” (E. Burke).
“Os políticos não conhecem nem o ódio, nem o amor. São conduzidos pelo interesse e não pelo sentimento” (Chesterfield).
Finalmente vemos a artimanha política em toda sua maestria, afinal, a eleição já é em outubro e, mais do que nunca, revela-se crucial a captação do meu, do seu, do nosso voto.
Todavia, nada repercutiu mais do que duas brilhantes idéias, advindas da própria Câmara, onde surgiram as propostas de se aumentar o número de parlamentares na Casa, passando dos atuais 513 para 521, conforme a previsão constitucional da representatividade de cada Estado no Congresso Nacional, e de, acredite se quiser, oficializar a semana de três dias. Tudo legal, diga-se de passagem, no entanto, somente esse acréscimo no quadro de deputados federais seria responsável por um gasto de mais de 20 milhões de reais por ano. Por um golpe do destino, as duas propostas ecoaram no vazio e foram esquecidas, até mesmo pelos seus autores.
Persistindo no desafio de tentar elucidar a árida questão, outrora levantada, cumpre-nos tratar de outra consideração interessante. Pelo que se pode depreender, dentre os dados do orçamento da União, a Câmara dos Deputados teve 2,2 bilhões de reais previstos em seu exercício financeiro, ao passo que o Senado pôde gastar cerca de 2 bilhões de reais. Para ter idéia do que significam esses números, somando-se o orçamento de ambas as Casas, temos que o custeio do Congresso Nacional alcançou, em 2005, a cifra de R$ 4,2 bilhões.
Como se pode ver, a realidade diverge da que fora apresentada pela imprensa, cabendo-nos apenas retribuir a indagação: No final das contas, quem saiu perdendo?
“O enorme poder que uma oligarquia do capital privado detém, e que não pode ser efetivamente controlado nem mesmo por uma sociedade politicamente organizada, especialmente para os países periféricos, ocorre porque os membros das câmaras legislativas são escolhidos por partidos políticos, amplamente financiados ou influenciados de outros modos por capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, isolam o eleitorado do Legislativo. A conseqüência é que os representantes do povo não protegem suficientemente, de fato, os interesses dos setores desfavorecidos da população. Além disso, nas condições vigentes, os capitalistas privados inevitavelmente controlam, de maneira direta ou indireta, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). Assim é extremamente difícil para o cidadão comum, e, na maioria dos casos, absolutamente impossível, chegar a conclusões objetivas e fazer um uso inteligente de seus direitos políticos” (Albert Einstein).
É notório que um país é o reflexo de seu povo, e que “não há país subdesenvolvido, mas sim subadministrado”. Essas são duas das maiores verdades já proferidas. E, para uma população incapaz de lembrar o nome do deputado em que votou na última eleição, acredite a coisa ainda não está tão ruim assim. Porém, se cada um de nós procurasse ao menos saber o que nossos representantes estão fazendo no Congresso Nacional, e exigíssemos deles maior atuação, em especial nas questões mais relevantes e urgentes para a nação, aí sim, talvez, recobrássemos a esperança na classe política, reelegendo apenas aqueles que merecem, que realmente trabalham, que lutam pela melhoria da qualidade de vida da sociedade, que prestam contas da sua atuação, demonstrando um mínimo de comprometimento com a ideologia partidária e de respeito para com o erário público, fazendo jus às expectativas neles depositadas e... aos salários que recebem.
Voltaire já asseverou que “quando o povo começa a raciocinar é porque tudo está perdido”, entretanto, espera-se não ser esse o caso, pois, brevemente, estaremos vivenciando outro processo eleitoral, no qual teremos a oportunidade e a responsabilidade de refletir sobre o aqui exposto, conscientizando-nos do peso que o voto de cada um de nós detém. Temos que nos conscientizar, de uma vez por todas, de que o imponente “edifício” do poder é formado e sustentado com o suor de nossos impostos, e que “a transição de um regime ditatorial para a democracia não deve significar apenas a substituição da nomeação dos poucos corruptos pela eleição dos muitos incompetentes”. Logo, a política não deve, nem de longe, limitar-se à “arte de retirar o dinheiro dos ricos para arrancar os votos dos pobres, sob o pretexto de protegê-los uns dos outros”.
“A democracia é a arte e a ciência de administrar o circo a partir da jaula dos macacos”
“Sob a democracia, um partido devota suas principais energias à tentativa de provar que o outro partido é incompetente para governar - e ambos conseguem e ambos estão certos” (H. L. Mencken).
Foi essa mistura de burrice assumida com a mais deslavada corrupção que, desde sempre, atravancou nosso desenvolvimento enquanto país de terceiro mundo. Basta de reverberarmos aquela frase, essencialmente demagógica e prolixa, que diz ser o Brasil o país do futuro. Afinal, que futuro é esse que nunca chega? Se “o amanhã pertence àqueles que acreditam na beleza de seus sonhos”, prefiro imaginar o dia em que o sistema político nacional possa ser prestigiado pelo desvelo que reserva a causa de tentar salvar nosso povo do permanente estado de miséria e de ignorância em que se encontra, uma vez que dificilmente o desgastado tecido social agüentará mais atrasos no fomento de um projeto de crescimento econômico plausível, que valore a pessoa humana, propiciando-lhe os meios para um cotidiano de realizações. É nossa incumbência iniciarmos a transformação, qualquer que seja ela, escolhendo com esmero os representantes políticos que haverão de construir a estrada rumo a algum lugar melhor, fugindo ao que o famigerado e agressivo marketing “eleitoreiro” tenta nos “vender”.
Alimentar o bom senso, aprendendo a votar, e, principalmente, a fiscalizar e a cobrar a atuação de nossos representantes no Congresso Nacional, reagindo ao que quer que se denomine por absurdo, é dever inerente à cidadania. Para tanto, basta que não esqueçamos o quanto já nos custou cada deputado.
2006-09-19 01:17:55
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