Histórias
A copa da loteria
Enquanto quase todo o mundo olhava para o futebol europeu e pensava na Eurocopa e alguns já imaginavam como seria a Copa América, a temporada 2004-05 já tinha se iniciado no Velho Mundo. É a tal Copa Intertoto, torneio esquisitão envolto de interrogações para o torcedor brasileiro e pleno de clubes secundários ou terciários. E então: o que é a tal Copa Intertoto?
Para falar abertamente e em bom português, a Copa Intertoto é um daqueles fatos que o brasileiro ou sul-americano pode pegar para dizer que também há coisas injustificáveis no futebol da Europa. Nesse caso os europeus não têm muito o que argumentar. A Intertoto realmente é dispensável. E isso se vê pela origem do torneio.
O idealizador foi Karl Rappan. O austríaco foi jogador na década de 1920, passando por Admira Wacker, Rapid Viena, Áustria Viena, Servette e Grasshoppers. Depois, foi um técnico de destaque, levando a Suíça às quartas-de-final nas Copas de 38 e 54 (melhores colocações do país na história). Para muitos, a Suíça de Rappan foi a primeira equipe a utilizar um jogador atrás da linha da defesa, papel que os italianos desenvolveram e chamaram de líbero.
Com isso, Rappan ganhou grande projeção no futebol suíço. O que ele pretendia aproveitar para criar uma competição entre clubes de diversos países europeus, mais ou menos como a já existente Copa Mitropa. Foi quando juntou seu desejo com os interesses do amigo Ernst Thommem, ex-funcionário da Federação Suíça de Futebol e, na segunda metade da década de 1950, responsável pela loteria esportiva do país.
Para Thommem, o verão (de junho a setembro no hemisfério norte) era uma época ruim, pois os campeonatos europeus de futebol estavam parados para as férias, obrigando a paralisação temporária das apostas. A idéia de ambos foi criar uma competição internacional para ocupar datas nesse período, podendo dar mais fôlego à loteria esportiva da Suíça e, claro, do resto do continente. A fonte de dinheiro para organizar e premiar as equipes era óbvia: a própria loteria destinaria parte de sua arrecadação. Participariam clubes que aceitassem jogar no período que supostamente seria de férias ou pré-temporada.
Apenas para legitimar a competição, ambos decidiram pedir a aprovação da Uefa. Como os jogos teriam como objetivo alimentar casas de apostas e loterias (algo pouco “nobre”, usando uma expressão idealista), a entidade não aprovou. Apenas quando Thommem e Rappan disseram que organizariam o torneio e só queriam uma oficialização burocrática a aprovação foi concedida. Assim, em 1961, foi criada a Copa Intertoto, nome que une “internacional” com o sufixo “toto”, comum em loterias esportivas na Europa (por exemplo, o Totocalcio, a loteca italiana).
No início, a Intertoto era dividida em vários grupos, com os vencedores fazendo um mata-mata para definir o campeão. Assim foi até 1966. A partir de então, o gradual inchaço do calendário europeu dificultou o estabelecimento de datas para a fase final, fazendo com que o torneio tivesse vários campeões (os vencedores de cada grupo) por ano.
Durante quase 30 anos a Intertoto sobreviveu como uma competição amistosa de pré-temporada, apenas para aquecer os times e preencher o calendário para as loterias. Havia um claro domínio de equipes do Leste Europeu, sobretudo Tchecoslováquia e Polônia, além de Alemanha Ocidental e Suécia. De qualquer forma, sobravam campeões bizarros, como o Odra Opole, da Polônia, o Barreiro, de Portugal, Zbrojovka Brno, da Tchecoslováquia, Maccabi Netanya, de Israel, o Vöest Linz (foto), da Áustria, e Banyasz Tatabanya, da Hungria. Os mais “normais” foram Ajax, Feijenoord (atual Feyenoord), Kaiserslautern e Sporting de Lisboa. Por falta de interesse, espanhóis, italianos e ingleses, por exemplo, nem levavam representantes.
Até que a Uefa resolveu valorizar o torneio. Era cada vez mais comum que grandes clubes da Europa, após uma má campanha em suas ligas nacionais, ficassem de fora de competições continentais por uma temporada. A entidade percebeu que poderia usar a Intertoto como um pré-classificatório para a Copa da Uefa, uma segunda chance para muitas equipes a partir de 1995.
Ainda assim, não obrigou os clubes a participarem da Intertoto, pois as equipes teriam o direito de gozar férias se achassem necessário. Então, antes do final de cada temporada, os times com chances de conseguir uma vaga na competição devem se inscrever. E não são raros os clubes que renunciam à chance de conseguir um lugar na Copa da Uefa. Como o objetivo claramente é classificar equipes para a segunda competição mais importante entre os clubes do continente, a Intertoto não tem um campeão, mas três.
O curioso é que houve clubes que saíram da Intertoto e brilharam na Copa da Uefa. Logo no primeiro ano sob organização da Uefa, o Bordeaux saiu da competição de férias, passou pelo Milan de Roberto Baggio nas quartas-de-final e só parou na decisão, contra o Bayern de Munique. Nesse torneio, os girondinos revelaram à Europa jogadores como Zidane, Lizarazu e Dugarry, que logo garantiram transferências para Itália e Espanha.
Na última edição, o vencedor da Intertoto que foi mais longe na Copa da Uefa foi o Villarreal, que caiu nas semifinais diante do Valencia. Foi o melhor desempenho de um clube saído do torneio de pré-temporada desde que o Bologna, em 1998-99, também ficou entre os 4 melhores da Copa da Uefa. De qualquer forma, a competição criada por Karl Rappan já conseguiu ter vencedores mais valorosos, como franceses, italianos e ingleses. Até a poderosa Juventus de Turim já acrescentou a Copa Intertoto na sua lista de títulos.
O Bordeaux de 1995 foi o mais bem-sucedido campeão da Copa Intertoto. Chegou à final da Copa da Uefa e, com Zidane (terceiro da esquerda para a direita, no alto), só parou diante do Bayern de Munique de um inspirado Kahn
2006-09-18 12:49:52
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