Esta é uma história verÃdica, que me aconteceu há uns 5 anos atrás:
Eu, surda-muda
Era um domingo à tarde. Depois de uns 02 meses cumprindo as burocracias exigidas para a aquisição de um passe-livre no transporte coletivo urbano de Goiânia, para minha amiga Luzia, deficiente auditiva, comparecemos à reunião marcada para as 15 horas daquele domingo. Chegamos atrasadas. Não nos tinha sido dito antes o lugar exato e nem o assunto da reunião; tÃnhamos o endereço e ao chegar descobrimos que ali funcionava a associação dos surdos-mudos de Goiânia. O lugar era um galpão, todo murado, com teto de zinco. Dirigi-me ao rapaz que se encontrava de pé, no portão de entrada:
- Boa tarde. Viemos pra uma reunião que seria às 3...ainda está acontecendo?
O rapaz começou a explicar uma série de coisas, que infelizmente não podÃamos entender, porque a surdez da Luzia aconteceu gradativamente com o passar dos anos e ela, uma senhora de 60 anos, não tinha aprendido a linguagem dos sinais;eu, muito menos. Ficamos então olhando pra ele, literalmente mudas. Foi quando ele fez sinal pra que entrássemos.
Logo à entrada, havia uma mocinha sentada à uma mesa; sobre a mesa um livro capa dura, tipo ata; eu mal comecei a perguntar-lhe da reunião, ela já começou a responder, demonstrando um domÃnio total com a linguagem dos surdos-mudos. Mais uma vez ficamos mudas, e ela nos entregou uma caneta, mostrou o livro, ficando claro que deverÃamos assinar ali e assim o fizemos.
O pátio estava repleto de gente; a maioria jovens, mas havia também homens, mulheres e crianças de todas as idades. Tinha-se a impressão de que todos ali eram velhos conhecidos, pois havia um entrosamento muito grande, formavam-se rodinhas, grupos, duplas ... todos conversando e rindo, muito animadamente. A euforia beirava um pouco à algazarra...Lembrando, que se comunicavam apenas por linguagem de sinais, claro.
Não conhecÃamos ninguém ali, não sabÃamos exatamente onde estaria acontecendo a tal reunião, mas pelo jeito ainda não havia começado, pois todo mundo estava ali do lado de fora. Então, chamei Luzia pra sentarmos em um banco que estava praticamente desocupado, havia apenas um senhor sentado lá, e aguardar os acontecimentos; ela estava assustadÃssima; desde que chegamos estava segurada ao meu braço, não mencionava uma só palavra. Os minutos foram se passando e nada acontecia, tudo continuava como estava desde que chegamos; começamos a nos inquietar, mas eu tentava acalmar minha amiga, dizendo:
- Calma, vou descobrir alguém aqui que “fale”, pra tentar saber o motivo de estarmos aqui.
E comecei a observar cada uma daquelas pessoas ali, de vez em quando apostando comigo mesma que uma delas, com certeza falava... mas perdia todas as apostas, pois quando eu ia juntando os pés pra me levantar e ir até ela, a pessoa começava a gesticular com alguém próximo e eu me sentia frustrada. Passava a observar outra, apostava, perdia... e assim aconteceu inúmeras vezes, me deixando cada vez mais aflita. Nesse meio tempo, havia chegado uma senhora acompanhada de uma moça que sentou-se ao lado do senhor que já estava sentado antes de nós. A essa altura, Luzia já me chamava pra irmos embora; eu estava beirando o desespero, mas não podia sair dali como entramos; ela havia sido convocada pra uma reunião, alguma coisa tinha pra ser explicada, mas eu não conseguia saber como; foi então que eu observei discretamente o senhor sentado ao meu lado; disse pra mim mesma: “vou perguntar a esse senhor se ele fala”; pensei primeiro em perguntar-lhe as horas, mas depois vi que ele usava aparelho auditivo, o que me levou a concluir: “se usa aparelho, ouve; se ouve, é claro que fala” .E naquele momento me enchi de uma esperança sem tamanho; finalmente alguém pra me explicar tudo aquilo, do meu jeito. E o meu desespero à quela altura era tão grande, que sem medir o absurdo da minha pergunta, olhei pra ele quase implorando que me respondesse “sim” e fui bem direta:
-Moço , o senhor fala?
O homem, quase gritou um sorriso de felicidade, de alÃvio, sei lá mais de quê:
- Você também fala?
- Meu Deus! Vocês falam? Graças a Deus! – exclamou emocionada a senhora que estava sentada com a jovem, ao lado do homem.
Meu Deus! Estávamos todos felizes e aliviados; emocionados mesmo. Até então, nenhum de nós sabia como era não poder comunicar-se. Durante um perÃodo de mais ou menos uma hora (tempo que mais pareceu uma vida inteira), fomos os verdadeiros surdos-mudos, literalmente. Só então pudemos perceber o outro lado da situação: todos à nossa volta se entendendo e nós ali, alheios a tudo.
Bem, agora nós éramos cinco. Juntamos nossa coragem, saÃmos do banco e fomos à procura de uma informação, pois assim como eu e minha amiga Luzia, eles tbm não sabiam o motivo de estarmos ali. Por fim, descobrimos: a tão esperada reunião, era exatamente aquela que estava acontecendo lá fora. Todos os domingos eles, os surdos-mudos, se reúnem para integração e confraternização do grupo.
Luzia não entendeu bem o espÃrito da coisa e saiu de lá muito chateada, pois havia me tirado de casa, em um pleno domingo à tarde, “pra aquilo”? Não era justo, dizia ela. Mas pra mim foi uma experiência única. Passei a prestar mais atenção à s minorias e a ser mais grata a Deus pelas coisas que à s vezes não damos muita importância.
Essa é minha historia.
2006-09-13 08:08:43
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answer #3
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answered by Anonymous
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