nada em comum
QUESTÃO DE ORDEM
A anatomia da inveja
à muito divertido ouvir o Sr. Fernando Henrique falar em moralidade pública, e cobrar do presidente Lula medidas contra os corruptos. Onde se encontrava ele quando seu governo beneficiou banqueiros com as inside informations do BCl? Em que galáxia passava férias, quando o BC salvou os bancos Marka e Fontecidam?
Mauro Santayana
BRASÃLIA - Em "Os velhos marinheiros", o clássico da literatura picaresca brasileira, Jorge Amado narra uma partida de pôquer em que o capitão Vasco Moscoso de Aragão depena o adversário. O perdedor procura insultar o ganhador de todas as formas - e um terceiro jogador observa: "inveja mata, seu Chico, inveja mata".
Há alguns meses o médico Adib Jatene, senhor dos mistérios do coração, órgão em que se presume alojar a alma dos homens, dizia a mesma coisa que disse o personagem de Jorge. A competitividade, o afã de superar os demais, a inveja do êxito alheio, são os maiores aliados da morte por infarto. Provavelmente sejam também de outras doenças fatais.
O ex-presidente Fernando Henrique deve consultar já o doutor Jatene. As suas mais recentes declarações sobre Lula, a quase apoplexia com que, no encontro com os donos do poder econômico, se referiu ao Chefe de Estado (inveja mata: trata-se de um operário na chefia do Estado) mostram que o festejado intelectual está precisando de acompanhamento cardiológico. E não fez melhor o antigo presidente, quando falou em MacunaÃma. Lula não tem o perfil do anti-herói de Mário de Andrade.
O ex-presidente é homem vitorioso. Não tem por que invejar o êxito de ninguém, porque foi brindado por todos os êxitos: na cátedra, na literatura sociológica, na presença no Senado e na Presidência da República. Nunca se atrapalhou com o uso dos talheres nos salões do mundo. Sabe perfeitamente como servir-se de chá no Palácio de Buckingham e conhece as anedotas que fazem Clinton divertir-se, embora, com precavida elegância, evite as que falam de charutos. Lula, para a sua razão aristocrática, é um brega. A sua missão histórica deveria limitar-se à liderança sindical, como fez George Meany, que dominou o sindicalismo norte-americano por décadas. Lula devia trabalhar para a conciliação de classes e se satisfazer em apenas reivindicar - e sem greves, como fazia Meany - participação modesta dos trabalhadores na prosperidade do capitalismo em geral. Mas Lula foi atrevido. Fundou um partido polÃtico, liderou intelectuais (alguns com muito mais estofo do que sua ex-excelência) e acabou chegando ao Palácio do Planalto. Tratou-se, como pensa o grande sociólogo, de um desaforo de pobre.
Fernando Henrique não tem por que invejar ninguém - mas se sente incomodado fora do poder. Há pessoas que se sentem predestinadas para o mando e se ofendem quando o perdem. Falta-lhes aquela consciência de efemeridade de todas as coisas da vida - e da própria vida. O poder polÃtico é uma concessão da vontade popular, e a vontade popular nem sempre é ungida daquele tipo de sabedoria que lhe reclama o soberbo professor.
Podemos entender o direito de espernear dos tucanos. A cada dia seu candidato voa mais baixo apesar da orquestração dos ataques por parte dos outros candidatos, todos aliados "in pectore" do ex-governador de São Paulo. Mas é muito divertido - e o vocábulo é este mesmo - ouvir o Sr. Fernando Henrique falar em moralidade pública, e cobrar do presidente medidas contra os corruptos. Onde se encontrava Fernando Henrique quando seu governo beneficiou banqueiros com as inside informations do Banco Central? Em que galáxia passava férias, quando o Banco Central salvou os bancos Marka e Fontecidam, com o prejuÃzo de bilhões para o povo brasileiro? Por que não permitiu que se formassem várias comissões parlamentares de inquérito, que foram requeridas contra seu governo, como a do sistema financeiro e a da compra de votos para a emenda da reeleição?
O Sr. Geraldo Alckmin também tem falado muito em moralidade pública, mas ainda não explicou a solidariedade que prestou aos sonegadores e fraudulentos importadores da Daslu, nem os estranhos negócios de publicidade da Caixa Econômica de São Paulo. E o dever de cortesia nos impede de tratar de outros assuntos constrangedores.
O problema é que o paÃs está crescendo, embora lentamente. Pela primeira vez, na história da República, as pessoas vêem os preços reais de produtos essenciais para a vida caÃrem nos supermercados. Pela primeira vez, em nossa história, engravatados são algemados e colocados no camburão da polÃcia. Não adianta o desespero: o povo já parece ter feito a escolha. Os formadores de opinião, os cientistas polÃticos e os clarividentes podem prever o que quiserem, mas só se houver um tsunami no Rio São Francisco ou a Mantiqueira se mover para a Patagônia, será provável a derrota de Lula.
Fernando Henrique está agora incendiário. Mao-tsé-tung dizia que quando a pradaria está seca, basta atear-lhe fogo. Fernando Henrique está pregando que se acenda fogo ao palheiro. Resta saber a que palheiro ele se refere.
Mauro Santayana é colunista polÃtico do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista polÃtico e correspondente na PenÃnsula Ibérica e na Ãfrica do Norte.
O presidente tem muitos feitos na área econômica para mostrar aos eleitores. Cinco dias antes do inÃcio da campanha eleitoral, o Risco-Brasil chegou a 205, o menor da história. Algo inimaginável há quatro anos, quando chegava a 4 mil. O dólar está na casa dos dois reais. Em maio, o salário mÃnimo passou de R$ 300 para R$ 350, o maior dos últimos 20 anos. As exportações batem recordes e o superávit da balança comercial superou US$ 100 bilhões.
Além da economia estabilizada, Lula tem ações sociais concretas para mostrar no horário eleitoral gratuito. O PróUni levou jovens carentes à Universidade, um sonho até então inatingÃvel. A Farmácia Popular vende remédios a preços Ãnfimos. E há o Bolsa FamÃlia, o mais forte cabo eleitoral de Lula.
Sob o comando de Patrus Ananias, ex-prefeito de Belo Horizonte, o programa de transferência de renda foi implantado com sucesso, levando 8 milhões de famÃlias a receber uma ajuda mensal da ordem de R$ 100. Dinheiro que, em cidades pobres do Nordeste, passa a ser uma forte alavanca na economia.
E é uma fortÃssima alavanca na candidatura Lula. No inÃcio da campanha eleitoral, para cada eleitor de Geraldo Alckmin havia, no Nordeste, seis eleitores de Lula. Uma vantagem enorme em uma região responsável por 27% do eleitorado brasileiro.
Uma vantagem construÃda tendo como base o carisma de Lula. Ele fala diretamente com as pessoas mais pobres, sem “intermediários”. Suas metáforas abordando futebol, seus erros de português, sua origem pobre fazem o presidente ter uma comunicação direta com o eleitorado mais pobre, aquele que não merece o tÃtulo de “formador de opinião”, mas que dá a Lula o favoritismo nas eleições. Lula vence, mesmo com Alckmin tendo cabos eleitorais fortÃssimos como Antonio Carlos Magalhães, na Bahia, e Jarbas Vasconcellos em Pernambuco.
Inaugurou obras - algumas mais de uma vez - lançou pedras fundamentais e investiu no Bolsa FamÃlia. Afastou José Dirceu, seu poderoso chefe da Casa Civil e Antonio Palocci, mentor da polÃtica econômica conservadora com que conseguiu afastar turbulências na economia.
Mostrava aà o pragmatismo de sempre, caracterÃstica sua desde os tempos de movimento sindical. Nunca se ligou totalmente a uma corrente, nunca aceitou ser tutelado. Basta lembrar a história de Frei Chico, seu irmão, militante sindical do antigo Partido Comunista Brasileiro. Foi ele que levou Lula ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. E não consegui levá-lo ao PCB. Lula dirigiu os metalúrgicos de forma independente, criou o PT e fez História.
Voltou a ter Ãndices de intenção de votos muito robustos. E chega à fase final da eleição com o slogan “Lula de novo, com a força do povo”, muito forte e de imediata assimilação. Afastou-se do PT – nos cartazes de propaganda, as estrelinhas são verdes e amarelas – e, em um eventual segundo mandato buscará apoio também no PMDB.
Enfim, um Lula diferente do que concorreu a governador do Estado em 1982, ficando em quarto lugar, com 10% dos votos. Em 1984, comandou, com Franco Montoro e Ulysses Guimarães, a campanha pelas Diretas Já. O PT não foi ao Colégio Eleitoral, expulsando deputados como Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes, que votaram em Tancredo Neves. Em 1986, Lula foi eleito deputado constituinte, com mais de 650 mil votos. A terceira votação nominal para esse cargo, em São Paulo, perdendo para Paulo Maluf, em 1986 e Enéas Camargo, em 2002.
Em 1989, Lula chegou ao segundo turno contra Fernando Collor de Mello, depois de superar Leonel Brizola por pequena margem. Diminuiu bastante a diferença e esteve a pique de vencer a eleição, apesar da barba desarrumada e da falta de ternos. Sobrava militância. A derrota veio em grande parte por conta de uma contestada até hoje edição do último debate contra Collor.
Em sua segunda participação, Lula era o favorito destacado, depois das viagens que fez pelo PaÃs, com suas caravanas da Cidadania. Foi derrotado pelos efeitos do Plano Real que catapultaram Fernando Henrique Cardoso, ainda no primeiro turno. Foi aprovada a reeleição e Lula perdeu novamente no primeiro turno em 1998.
Em 2002, iniciou a virada que o levaria à Presidência. Exigiu carta branca do PT para negociar. Levou o empresário José de Alencar, do PL, a ser seu vice, lançou a “Carta aos Brasileiros” onde prometia segurança na condução da economia e venceu, depois de quatro tentativas.
Lula volta às eleições com a bandeira da esperança. Diz que o Brasil é governado há 500 anos pelas mesmas pessoas, uma elite perversa que não aceita pessoas como ele. Mais do que um sobrevivente, é um vencedor e o povo sabe disso. Aà está a força de seu favoritismo.
2006-09-09 11:30:31
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answer #4
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answered by Efeoitomeia 4
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