Para onde irá a Internet?
Agência Estado
Michael Stanton
21.08.2000
A Internet está mudando. Além dos serviços costumeiros, como correio eletrônico, ICQ e WWW, cada dia tem mais novidades, como telefonia, videoconferências e outras aplicações que podem ser caracterizadas como de tempo real. Isto significa que, ao contrário das aplicações tradicionais, estas novas exigem padrões mínimas de desempenho, também chamada de qualidade de serviço ou QoS, do inglês Quality of Service. Se a rede não fornecer a QoS necessária, a aplicação poderá não funcionar bem, como no caso da telefonia, ou pode simplesmente se tornar inviável.
Para prestar todos estes serviços, a tecnologia básica usada é o IP - Internet Protocol, um mecanismo para transportar mensagens até seu destino na rede. A Internet tradicional é caracterizado como sendo de "melhor esforço", o que significa que o mecanismo de transporte faz um esforço honesto para entregar as mensagens, mas é permitido falhar, quando não houver condições favoráveis. (Para aplicações que necessitam de confiabilidade de entrega das mensagens, nestes casos elas serão retransmitidas.) Outro aspecto da Internet tradicional, menos destacado, é que ela trata eqüitativamente todas as aplicações que concorrem pelos mesmos enlaces de transmissão, e não privilegia nenhuma, mesmo essas que requerem melhor desempenho.
Hoje em dia este serviço tradicional é oferecido por muitos provedores, e uma rede assim é chamada pelos norte-americanos de commodity Internet, o que significa que não há motivos técnicos para escolher entre provedores concorrentes, apenas motivos de preço ou conveniência. A nova Internet se distingue da commodity Internet por oferecer serviço com QoS garantida, viabilizando as novas aplicações. Como serão as características desta nova Internet?
Primeiro, ela vai poder oferecer a capacidade necessária a cada aplicação. Se você quiser transmitir um vídeo, que requer uma banda de 4 Mbps, então esta banda será garantida. Se quiser usar telefonia pela rede, o que requer limitar o retardo, isto pode ser realizado, tratando como prioritárias as mensagens envolvidas, e dando-lhes tratamento privilegiado, para reduzir o atraso ao longo do caminho. Segundo, uma vez que as garantias de desempenho precisam ter como lastro a reserva de recursos físicos de banda de transmissão ou de memória ou capacidade de processamento nos roteadores, e que estes recursos são necessariamente limitados, é possível que seja negado o atendimento. Este fenômeno já é conhecido na telefonia convencional, quando as linhas estão ocupadas e não é possível completar ligações. Finalmente, será necessário pagar mais caro para usar estes serviços disponíveis. A cobrança poderia ser por cada uso deles, como se paga telefonemas, ou através de uma assinatura mais cara do que o convencional, para ter o direito de usá-los quando quer.
Por enquanto, não se tem experiência com a cobrança de cada utilização, talvez por falta de mecanismos adequados de contabilização, sempre omitidos na Internet tradicional. Espera-se, portanto, que o uso da nova Internet ocorrerá aos poucos, com a sua adoção primeiro dentro das redes corporativas, ou por apenas algumas das redes backbone que interligam estas redes. Parece que vamos ter a nova Internet para suportar a telefonia IP, para dar suporte aos requisitos de desempenho do modelo de ASP - Application Service Provider, descrito na coluna passada (14 de agosto), ou para atender a comunidades específicas, como a comunidade acadêmica.
Em muitos países, inclusive no nosso, a comunidade acadêmica conta com uma infra-estrutura de rede própria. No caso nacional, a rede acadêmica é composta pela Rede Nacional para Pesquisa e Educação (RNP) (www.rnp.br), do governo federal, e pelas redes estaduais, tais como a Rede-Rio (www.rederio.br) e a Rede ANSP (www.ansp.br), respectivamente dos estados de RJ e SP. No exterior, há muitos exemplos de iniciativas semelhantes, por exemplo a JANET britânica (www.ja.net).
Nesta linha uma das poucas exceções são os EUA, onde o atendimento da comunidade acadêmica foi entregue aos provedores comerciais da commodity Internet, com a desativação em 1995 da NSFNET, do governo federal. A reação veio no ano seguinte, com o lançamento do projeto Internet2 (www.internet2.edu), que procura investigar as aplicações novas, que requerem garantias de QoS, e instalar uma rede própria adequada. Hoje o projeto Internet2 conta com a participação de mais de 140 universidades além de algumas dúzias de empresas de alta tecnologia. O projeto tem o apoio financeiro do governo federal, e pode contar com o uso das redes backbone vBNS - Very High-speed Backbone Network Service (www.vbns.net), sustentada pelo governo federal e operada pela MCI-Worldcom (dono da Embratel), e Abilene (www.internet2.edu/abilene), da Qwest. Ambas estas backbones oferecem recursos de transmissão de altíssima velocidade (até vários Gbps), além de permitir experimentar com gerenciamento de QoS. No Brasil, existem algumas iniciativas de mudar o patamar de serviços oferecidos pelas redes acadêmicas. Na Rede-Rio, por exemplo, o backbone adotou a tecnologia ATM com taxas de transmissão de 155 Mbps em 1999. Porém, ainda não foi dado suporte explícito para garantir a QoS nesta rede, e ela presta serviço de commodity Internet de alta capacidade. A RNP, em parceria com o CNPq, fomentou a instalação em 1999 de 14 ReMAVs (Redes Metropolitanas de Alta Velocidade) baseadas em parcerias entre instituições de pesquisa da mesma cidade ou região metropolitana. Cada ReMAV tinha como objetivo ganhar experiência em escala local com o uso de aplicações da nova Internet, e geralmente conta com uma infra-estrutura de alta velocidade (155 Mbps) usando fibra ótica cedida por uma empresa de telecomunicações. Em 2000, já contando com a participação também do MEC, foi lançada a RNP2, a terceira geração da rede acadêmica nacional (www.rnp.br/rnp2). A RNP2, inspirada pelo projeto Internet2, pretende integrar as 14 ReMAVs entre si, para viabilizar as novas aplicações em escala maior. Adicionalmente, em conseqüência da participação do MEC, procura atender também aquelas IFES (instituições federais de ensino superior) que não fizerem parte de uma das ReMAVs. Esta rede foi instalada e é operada pela Embratel, e utiliza a rede ATM desta empresa, o que permitiria gerenciar a QoS das conexões. Por enquanto, a RNP2 implementa uma malha de conexões virtuais nesta rede ATM, com capacidades de até 20 Mbps. Havendo necessidade, estas capacidades poderão ser aumentadas facilmente. Em todos os países, a rede acadêmica tende a ser um precursor do que virá a ser a rede comercial. A commodity Internet resultou da evolução da Internet numa fase anterior. A próxima geração da Internet está sendo incubada agora nas redes acadêmicas, e deverá passar para o uso geral quando as condições técnicas e comerciais para isto forem apropriadas.
Michael Stanton (michael@ic.uff.br) é professor titular de redes do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense
2006-09-05 16:30:24
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