Demissões na Volks: o buraco é mais embaixo?
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Adital - Por Olavo SoaresA fábrica da Volkswagen, às margens da Rodovia Anchieta, em São Bernardo do Campo, é um dos mais tradicionais marcos da indústria automobilística brasileira. Se por um lado é emblemática pela sua grandeza e pelo fato de ter abrigado parte das lideranças sindicais que apressaram o fim da ditadura, essa fábrica também está se tornando um símbolo por razões menos nobres.
A Volkswagen anunciou, no final de maio, o fechamento da unidade de São Bernardo, que estaria obsoleta e inviável para acompanhar a velocidade da tecnologia da indústria automobilística. Além disso, a empresa pretende realizar demissões em larga escala em outras três fábricas em Taubaté (SP), São José dos Pinhais (PR) e Rezende (RJ). Os cortes devem atingir 5.773 trabalhadores, um número significativo se considerarmos que a empresa tem 22 mil funcionários no Brasil.
Claro que essas demissões em massa, por si só, já seriam notícia das mais alarmantes. Afinal, a quantidade de trabalhadores que perderá o emprego está longe de ser ínfima. Porém, um olhar mais atento sobre os fatos nos mostra que as demissões da Volks assustam não apenas por isso, mas por representarem uma tendência na economia mundial e que deve fazer mais estragos nos próximos anos.
Reflexos
Os números da indústria automobilística foram de certo modo positivos em 2005, mas não chegam a ser motivo para comemoração no setor. Não se pode falar, de imediato, em crise, no entanto, a hipótese não pode ser descartada.
A General Motors puxa a fila das montadoras que passam por maus bocados. O ano passado foi péssimo para a empresa - o prejuízo registrado em 2005 foi de US$ 8,6 bilhões, segundo dados da própria companhia. A Volkswagen não chegou a mostrar números tão aterrorizantes - a companhia lucrou mais de US$ 1 bilhão em 2005 - mas os dados são cruéis quando comparados ao da concorrente japonesa Toyota. A companhia nipônica, que caminha a passos largos para o primeiro lugar no setor, obteve lucros superiores a US$ 12 bilhões no ano passado. Por conta disso, os japoneses se consolidam como o padrão a ser seguido.
O "toyotismo", método de trabalho desenvolvido pela empresa, já norteia os regimes industriais há um bom tempo. Os preceitos da técnica são de certo modo simples: eliminação máxima de excedentes e desperdício, "just in time" e um controle de qualidade preciso. Há também a preocupação quase obsessiva na redução - ou até mesmo eliminação - de gastos. Tudo em prol da obtenção máxima de lucros.
Quando a Volkswagen se sente acuada pelo sucesso dos concorrentes - ainda mais quando ele parece não ter fim - a companhia o faz não somente por querer mais dinheiro ou um melhor posicionamento no mercado. A necessidade dessa busca por uma maior lucratividade pode, na verdade, significar a própria sobrevivência da companhia.
É o que aponta o economista e professor da Unicamp Marcio Pochmann. "O que acontece com a Volkswagen diz respeito à fase atual do capitalismo mundial", assegura. Ele acredita que em todos os setores da economia o controle deve ficar, nos próximos anos, em círculos restritos de companhias, talvez não superando o número de uma dezena de integrantes. Não se pode prever no atual momento, segundo o professor, quem sairá vitorioso no inevitável ciclo de incorporações ao qual as empresas fatalmente serão submetidas. O clima de insegurança toma conta das corporações que são obrigadas a empregar medidas emergenciais.
A Volkswagen seria uma das fortes candidatas à degola, pelo menos de acordo com Kjeld Jakobsen, presidente do Instituto Observatório Social e ex-secretário de Relações Internacionais da prefeitura de São Paulo durante a gestão de Marta Suplicy. "A Volkswagen diz que a planta de São Bernardo é obsoleta. Mas quem tem problema de obsolência é a própria Volks", aponta. Ele cita a defasagem técnica visível que a empresa sofre em relação às suas concorrentes: "a Volks ainda produz Kombi e acha que o Santana é um carro de luxo".
Por todo o mundo
A justificativa da Volkswagen ao dizer que sua fábrica em São Bernardo está ultrapassada cai por terra ao analisarmos que o processo de demissões em massa vai além do Brasil - é uma política que a companhia tem adotado nas suas filiais de todo o planeta. O plano da Volks em seu país de origem, a Alemanha, é eliminar 20 mil postos de trabalho até 2011. Isso também torna menos relevante uma queixa repetida à exaustão, a de que a excessiva valorização cambial dificulte as exportações e, por conseqüência, seja responsável por números negativos dentro das companhias.
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopez Feijóo, acredita que a Volkswagen não pode alegar razões econômicas pelas demissões que vem promovendo. E acredita que não se trata de uma conjuntura ampla, e sim de uma política direcionada unicamente pela empresa alemã. "A indústria automobilística viveu em 2005 seu quarto ano consecutivo de crescimento, e a previsão para 2006, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) é de crescimento também, entre 6 e 9%".
Para o sindicalista, o que se verifica no caso Volkswagen é uma tentativa da empresa de reduzir ao máximo os direitos dos trabalhadores. "Vai ser ruim para quem sai e para quem fica", resume. As novas propostas apresentadas pela companhia aos trabalhadores prevêem, além das demissões, redução de 35% do salário dos novos contratados e aumento de 200% no valor do plano de saúde para os atuais funcionários, além de outras medidas. "E essa política de demissões e corte de direitos se repete em vários países, sempre se apresentando uma desculpa diferente", afirma Feijoó. Ele se reuniu com sindicalistas de outros países e verificou as semelhanças nas causas dos trabalhadores.
Kjeld Jakobsen vê as demissões em massa como um reflexo de falta de planejamento da empresa. "Para se conter um resultado negativo, deve-se demitir trabalhadores ou adotar estratégias de mercado? Infelizmente, a opção mais fácil é a que acaba sendo utilizada e a corda arrebenta para o lado mais fraco", afirma. E o mais fraco, nesse caso, são os funcionários demitidos da empresa que terão que reprogramar sua carreira.
"Visualizamos hoje, possivelmente, a transferência do eixo produtivo das empresas para a Ásia", garante Marcio Pochmann. O professor lembra que além do sucesso da Toyota, há a gigante Honda e o fantasma da China. Além de bons índices econômicos e tecnológicos, esses países se destacam - juntamente com o Leste Europeu - por possuírem mão-de-obra qualificada e desprovida de movimentos sindicais expressivos. Pochmann acredita que o atual momento aumentará a descentralização da produção e sugere que a causa dos trabalhadores da Volks é emblemática, devendo ser motivo para uma ação unificada de todo o movimento sindical e também da sociedade civil, justamente pelas questões que estão envolvidas nesse caso.
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, Jorge Nazareno, compartilha da opinião de Pochmann. "Na região de Osasco temos muitas empresas que são fornecedoras da Volkswagen. Então, um problema com a empresa afeta diretamente esses trabalhadores. Temos preocupação direta com o que acontece lá". Nazareno completa afirmando que casos como o da Volks, guardadas as devidas proporções, se repetem em companhias semelhantes em outras localidades. Feijóo concorda. "Não devemos satisfação apenas aos trabalhadores da Volks, mas a todos os do Brasil. Se aceitarmos as condições deles, abrimos a porta para que no país inteiro se desenrole a política de reduzir direitos", destaca o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Socorro do governo
Visto que o quadro é sério, logo poderíamos questionar quais seriam as ações possíveis de serem adotadas pelo governo federal para conter o problema. Os analistas são unânimes ao se oporem a práticas "assistencialistas", que injetariam dinheiro na Volkswagen e melhorariam a saúde financeira da empresa.
"A primeira coisa que o governo precisa fazer é manifestar publicamente sua preocupação com o desemprego", diz Kjeld Jakobsen. Jorge Nazareno crê que a principal postura a ser adotada pelo governo é seguir como canal de comunicação entre as partes - ainda mais que o atual ministro do Trabalho, Luiz Marinho, é sindicalista de origem e já foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. "Mas é importante que a questão seja tratada sem dar privilégio a nenhuma das centrais sindicais", destaca Nazareno.
Feijoó também acredita que não seja correto que recursos públicos sejam empregados para "salvar" a Volkswagen. Mas defende que o governo federal deva interceder firmemente no assunto - principalmente porque a empresa, como a maioria das grandes corporações que atuam no país, conta com os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) e do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT). "É correto manter empréstimos e subsídios do FAT para uma empresa que anuncia demissões?", questiona o sindicalista.
A intervenção do governo deveria acontecer não pontualmente nesse caso, mas sim através da criação de políticas que possibilitem alternativas para um melhor desempenho das empresas. "Os projetos devem ser implantados para a obtenção de resultados a longo prazo", diz Jorge Nazareno. "O governo não pode agir em benefício específico de uma empresa. Precisa é desenvolver políticas setoriais que promovam avanço no setor", assegura Feijóo.
Enquanto o auxílio não aparece, a mobilização da categoria é essencial. "Há que se resistir, fazer greve, ir trabalhar mesmo que demitido", diz Kjeld Jakobsen. Feijóo explica que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC já realizou greves pontuais, com duração de um dia, e não descarta a paralisação definitiva da categoria caso a empresa se mostre irredutível nas negociações.
(Esta matéria faz parte da edição nº 40 de julho da revista Fórum. Nas bancas)
2006-08-31 12:29:34
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answer #1
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answered by TIOZIM 5
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