Há uma explicação na linguagem para isto, veja:
Ao que parece, a mente humana detesta lacunas, não gosta de incompletude. O porquê de uma regra ajuda a fixar-lhe a aprendizagem (e quanto mais inteligente é o aluno, menos ele se contenta com o quê sem o porquê). A tÃtulo de ilustração, tomemos como exemplo duas regras de utilidade inquestionável no ensino de redação (porque o aluno, ao redigir, freqüentemente hesita nas estruturas sintáticas a que elas se referem):
1ª – Quando um único adjetivo modifica dois ou mais substantivos, o adjetivo fica no plural e no gênero comum aos substantivos, PREVALECENDO O MASCULINO se os gêneros forem diferentes (fizemos abstração da concordância “atrativa”). Exemplos:
ïï “Encontrei mortAS, perto da ponte, uma cabra e uma vaca” (mortAS, porque cabra e vaca são substantivos femininos).
ïï “Encontrei mortOS, perto da ponte, um burro e um boi” (mortOS, porque burro e boi são substantivos masculinos).
ïï “ENCONTREI mortOS, perto da ponte, UM BURRO E UMA VACA”
(mortOS, porque burro é masculino e vaca é feminino, prevalecendo, portanto, o masculino).
2ª – O verbo impessoal (entendido como aquele que
não tem sujeito semanticamente preenchido) fica na
terceira pessoa do singular, daà “choveu ontem” e não
“choveram ontem”, ou “chovi ontem”, “chovemos
ontem” etc. e “houve problemas”, “havia duas
moedas na gaveta”, e não “houveram problemas”,
“haviam duas moedas na gaveta” etc.
O que faz prevalecer o masculino no primeiro
caso e a terceira pessoa do singular no
segundo é o mesmo princÃpio, a saber, o de que,
em determinados contextos, em que há
possibilidade de hesitação do falante, se dá preferência ao membro não mercado da
oposição envolvida, que nos pares masculino/feminino e singular/plural são,
respectivamente, o masculino e o singular e, entre as pessoas gramaticais, é a terceira.
Por isso, quando existe a possibilidade de dúvida entre masculino e feminino, predomina o masculino, que é o gênero não marcado. à por isso que nos referimos a um animal felino doméstico cujo sexo ignoramos como “gato”. Se estamos informados do sexo do animal, empregamos “gata“ ou “gato”, conforme se trate, respectivamente, da fêmea ou do macho. Em dúvida, empregamos com o masculino, que é o gênero não marcado.
Quanto aos verbos impessoais, a explicação para prevalecer a terceira pessoa do singular é que existe uma regra em português segundo a qual o verbo concorda com o núcleo do sujeito (“o filho dos alemães saiu”, “os filhos do alemão saÃram”) e a flexão número-pessoal é obrigatória, portanto a forma verbal tem de ficar na primeira, segunda ou terceira pessoa do singular ou na primeira, segunda ou terceira do plural, o que nos dá seis possibilidades, não havendo uma sétima. Portanto, quando não há sujeito com que concordar, emprega-se automaticamente a pessoa não marcada (que é a terceira) e o número não marcado (que é o singular), o que resulta em “choveu ontem”, “houve problemas”, “havia duas moedas na gaveta” etc.
Os exemplos são inúmeros. Voltando à categoria de gênero, é ainda o masculino que prevalece em português, quando temos de “concordar” um adjetivo com uma oração, como em “é bom fazer isso”. Como oração não têm gênero, prevalece, nesse caso, o masculino, que é o gênero não marcado. Na verdade, nas lÃnguas em geral, o gênero não marcado é em princÃpio o neutro, que cede lugar ao masculino nos idiomas em que só há masculino e feminino. Essa frase em latim, por exemplo, fica “bonum est hoc facere”, com a forma neutra do adjetivo.
Há, pois, um princÃpio universal da linguagem humana, segundo o qual, nos casos em que poderia haver hesitação quanto ao membro de uma oposição a ser empregado, prevalece o membro não marcado – que doravante denominaremos “curinga”. O curinga é, portanto, o elemento que se usa em determinadas situações de hesitação previstas na gramática “mental” dos falantes. O curinga dos gêneros é o neutro (ou o masculino, se não existir neutro na lÃngua em questão). O dos números é o singular. O dos tempos é o presente. O dos modos é o indicativo. O das pessoas é a terceira. O das vozes é a ativa. O dos aspectos (na oposição entre o durativo e o pontual) é o durativo.
Um ensino desse tipo não só fornece ao aluno as informações necessárias ao uso da lÃngua em situações reais de comunicação, ajudando-o a dirimir suas dúvidas quanto à variedade formal culta do idioma, mas também lhe permite entender, à luz de princÃpios universais da linguagem humana, o porquê das regras que terá de aplicar ao redigir, unindo, assim, aquisição de habilidades lingüÃsticas e conhecimentos cientÃficos sobre a linguagem, sem falar no fato (didático) de que a justificativa racional de uma regra é talvez o melhor recurso mnemônico para a sua fixação.
Fonte:
COMO TORNAR AS TEORIAS SOBRE A LINGUAGEM
APLICÃVEIS AO ENSINO DO PORTUGUÃS
Helênio Fonseca de Oliveira (UERJ)
2006-08-29 09:23:31
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answer #3
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answered by 32 caracteres 3
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