Merece sim e concordo plenamene com o Professor José Roberto de França Arruda e Mauro Santayana. (leia a seguir se tiver tempo, vale a pena).
Porque voto em Lula
José Roberto de França Arruda
Professor de Engenharia Mecânica da UNICAMP
Voto em Lula porque ele representa o "justo meio termo" e porque é um humanista e um homem do que se pode chamar de "socialmente preocupado" (do inglês "socially concerned", expressão cunhada por Galbraith para a "nova esquerda"). Ele é atacado pela direita e pela esquerda, por tudo e pelo seu contrário. São evidências de que está no "justo meio termo", de que é um denominador comum dos anseios da população brasileira.
Na economia, Lula implementou, de fato, a autonomia do Banco Central, que era pedida pela quase totalidade dos economistas e setores empresariais, mas é atacado por supostas altas taxas de juros que o seu governo promoveria, quando todos sabem que quem dita as taxas de juros é o Banco Central. Ninguém acusa os dirigentes e técnicos do BC; acusam o Presidente Lula por algo que é uma decisão técnica de um órgão autônomo do Estado (não mais do governo). Querem a profissionalização dos órgãos públicos, mas criticam quando isso é alcançado. A oposição diz que os juros reais estão muito altos, quando estão em queda e que jamais foram tão altos como no governo anterior. O mesmo vale para o câmbio. Dizem que o Real está sobre valorizado, mas nosso custo de vida ainda é dos menores do mundo e nossas maiores cidades têm custo de vida inferior a todas as capitais de países desenvolvidos. Elas estiveram, sim, entre as mais caras do mundo, mas foi no governo anterior, da oposição, que hoje critica uma suposta baixa taxa de câmbio apesar de fender o câmbio flutuante. A oposição que critica é a mesma que quase destruiu nossa base industrial mantendo obstinadamente a paridade do Real com o Dólar ao final do primeiro mandato de FHC, levando a classe média alta a ir fazer suas compras anualmente nos EUA ou na Europa, pois era mais barato fazer isso do que comprar aqui.
Na segurança, pela primeira vez um governo federal resolve iniciar um esforço de coordenação das polícias, reequipa e aumenta o efetivo da Polícia Federal, melhora os salários nas forças armadas e aprimora o controle nas fronteiras. Entretanto, o descalabro dos sistemas prisionais estaduais, a ineficácia e a corrupção da justiça e das polícias dos estados e sua fraca ação social leva inexoravelmente ao aumento da violência (ainda que algumas estatísticas tenham melhorado). E quem é acusado por isso? O Presidente da República. O ex-governador candidato sai por aí dizendo que tem grandes idéias para a segurança depois de ter ajudado a construir, em mais de uma década no poder em São Paulo, um dos sistemas policiais mais caros, mais violentos e mais ineficazes do país.
Na indústria, Lula parou o processo açodado e mal feito de privatizações promovido pelo governo anterior e é acusado pela direita de manter um estado demasiado grande e pela esquerda por não re-nacionalizar o que foi privatizado e, depois de consertado, deu certo, como é o caso da Vale do Rio Doce e da Embraer, por exemplo. O governo Lula procurou reparar os erros colossais feitos nos contratos das Teles e outros setores que bem mereciam uma auditoria, como proposto pela esquerda, mas que poderia trazer mais estragos na imagem do país, que tanto precisa de estabilidade e cumprimento de contratos para baixar o risco país e, com isso, poder finalmente baixar os juros. Falta, ainda, reconstruir alguns setores destruídos no governo anterior. A decisão de usar o poder de compra da Petrobrás já fez reviver a indústria naval. Agora o governo Lula quer recuperar a Marinha Mercante, que era uma das maiores do mundo e simplesmente desapareceu com a abertura açodada de nossa navegação de cabotagem a empresas estrangeiras promovida pelo governo anterior.
Na educação, o governo de fato limitou-se a cumprir seu papel constitucional: cuidou do ensino superior, o único que está sob a sua responsabilidade, além das escolas técnicas. Melhorou as condições das universidades federais, cujos professores tiveram salários achatados no governo anterior, e criou inúmeras oportunidades de financiamento com base no mérito através de Editais de apoio à infra-estrutura e a projetos de pesquisa. Está promovendo um aumento sensível do número de vagas nas universidades federais e procurando aumentar o controle social das universidades privadas, que foram enormemente favorecidas pelo ex-Ministro Paulo Renato Souza do governo do PSDB. O problema é que estados e municípios não cumprem com seu papel constitucional nos ensinos básico e médio. São Paulo, que teve um dos melhores sistemas de ensino público do país, praticamente destruiu este sistema nas últimas décadas. Por isso, num segundo mandato, o Presidente Lula poderá federalizar parte do sistema de ensino básico, adotando algumas idéias de seu ex-ministro e agora candidato Cristóvão Buarque. Mas, para isso, precisará de um apoio decisivo do eleitor, não só o reelegendo, mas elegendo muitos deputados da base aliada para aprovar os projetos do governo. Caso contrário, o governo corre o risco de ficar paralizado, pois, com um congresso corrupto, qualquer governo tem que comprar os pequenos partidos para constituir sua maioria parlamentar. O PSDB fez isso muito bem e, como ninguém reclamou, pôde aprovar seus projetos. O governo Lula não quis dar continuidade ao sistema corrupto e, com isso, despertou protestos e denúncias dos deputados, acostumados com a corrupção via emendas parlamentares (vide sanguessugas), muito mais caras que qualquer suposto "mensalão" para a nação brasileira.
Na área social, nem é preciso dizer. Os números falam por si. É o primeiro governo que, desde o regime militar, melhora a distribuição de renda neste país. São programas sociais criticados pela direita, que acha que programa social é "dar dinheiro a vagabundo" e pela esquerda, que queria vê-los ampliados, "tirando o dinheiro dos banqueiros", como se eles não soubessem tirar o dinheiro do país antes que algum governo pense em fazer isso. Iniciou, de forma pioneira, as políticas de ação afirmativa, com a criação de cotas nas universidades públicas, numa reforma que ainda não foi aprovada pelo bloqueio da oposição, mas que já surte efeitos positivos pois as próprias universidades, inclusive as estaduais paulistas que no discurso oficial criticam as cotas, já estão implementando programas de discriminação positiva com base em critérios de origem social e racial (ainda que sem muito fundamento científico, o conceito de raça é socialmente muito concreto e claramente demonstrável). Na verdade o que possivelmente trava a aprovação da reforma da universidade, por trás dos belos discursos, são os interesses das universidades particulares mercantilistas, que passariam a ter um maior controle pela sociedade.
Na saúde, o governo lutou como nunca para reforçar os programas preventivos, de apoio à família, de vigilância epidemiológica, de apoio ao SUS, e não apenas nas campanhas de grande apelo publicitário como o programa de fornecimento de remédios para AIDS do governo, que teve a devida continuidade. O empenho de países como a África do Sul, muito mais do que do governo brasileiro anterior, que tanto alardeou na mídia, permitiu negociações frutíferas com os grandes laboratórios multinacionais, que passaram a negociar preços melhores para os países mais pobres. Este esforço deve continuar num esforço conjunto de vários países, e nenhum presidente brasileiro teve tanto prestígio junto à comunidade dos países em desenvolvimento como Lula e, portanto, tão boas condições de dar continuidade a este esforço.
Na política externa, nunca nossas embaixadas se empenharam tanto na promoção dos nossos produtos e dos interesses brasileiros no exterior. Nunca um presidente teve tanto prestígio junto à comunidade internacional e foi tão ouvido em relação aos grandes problemas mundiais, como conflitos e meio ambiente. Poucos presidentes são, hoje, como ele, capazes de manter diálogo construtivo com Fidel Castro, Hugo Chávez e George Bush, sendo bem recebido por todos eles. Poucos lutaram tanto pelo prestígio do país, não dele próprio, como fez nosso presidente anterior. Nunca nosso país defendeu tão bem seus interesses junto aos órgãos internacionais como a ONU, OMC, etc.
Enfim, temos um governo que procura sempre acertar num sincero e real empenho para melhorar as condições de vida do país, garantir sua soberania e seu desenvolvimento econômico e social sustentável. Entretanto, nunca um governo foi tão atacado por tudo e por seu contrário. É atacado por corrupção por combatê-la, como nunca se fez neste país. É atacado pela insegurança, quando nenhum governo federal fez tanto nesta área, que é de responsabilidade principalmente de governos de estados. É atacado pelos problemas da educação, quando nunca os setores superior e técnico, que estão sob sua responsabilidade, tiveram melhores condições na última década. É atacado pela reforma da previdência, que diminuiu privilégios insustentáveis; atacado pela esquerda, que queria mantê-los, e pela direita, que queria destruir o setor público. É atacado quando seu filho faz um bom negócio com sua empresa, quando sua filha tira um passaporte italiano a que tem direito por seus antepassados, acusado de beber muito por pura maledicência gratuita de jogadores de futebol decadentes, atacado quando ataca a corrupção, quando seu caráter o obriga a defender, ainda que tomando as providências cabíveis de afastamento do governo, companheiros de longa data e de currículo de peso na história deste país. O Presidente Lula é um injustiçado pela mídia e por setores das classes mais abastadas, que, na verdade, nunca se conformaram com a idéia de ter um torneiro mecânico e ex-sindicalista, um "da Silva", no mais alto posto da nação.
Que a noite passe
Por Mauro Santayana
Leia abaixo artigo publicado originalmente no site da Agência Carta Maior:
Em um de seus melhores contos, El hombre de la esquina rosada, que cito de memória, Jorge Luis Borges faz o personagem ansiar para que aquela noite não houvesse, para estar já no dia seguinte. Ele se referia ao constrangimento de assistir a um homem humilhar e ofender o outro. Angustiado com o que via, e não queria ver, desejava que o presente desaparecesse e viesse o dia com o sol da justiça.
Quem examinar a atualidade do mundo e do Brasil sentirá a mesma angústia, diante da humilhação ignominiosa a que estão submetidos os fracos. "La fuerza és el derecho de las béstias", dizia Juan Perón. Tudo se pode dizer do general e de sua emblemática mulher, que foi Eva, menos duvidar de seu patriotismo e de seu interesse pelos pobres.
A força continua fazendo o direito nas relações internacionais e na política interna dos países. Diante do que ocorre no Oriente, com a insistência assassina do Exército de Israel, e diante do que ocorre no Brasil, somos levados a pensar como o Homem da Esquina Rosada, e querer que a noite passe logo, que a manhã chegue em seguida.
Quem analisar a campanha eleitoral entenderá, rapidamente, que o que incomoda no presidente Lula não são os erros de seu governo – e são muitos – mas os acertos. Pela primeira vez, neste País, os ricos e poderosos não se sentem invulneráveis à lei. E o que faz intolerável a vitória de Lula é a possibilidade de que, em seu segundo mandato, a solidariedade para com os excluídos se amplie e se aprofunde, e da mesma maneira se aprofunde e se amplie a ação policial contra os ladrões do Erário.
Toda a retórica de homens como o Sr. Fernando Henrique Cardoso, que acusa Lula de contrapor os pobres às elites, é a escancarada defesa de uma classe – a dos que podem e, podendo, mandam – contra a dos pobres, submetidos a permanente humilhação. Quando ele fala na cisão do país, na hipótese, felizmente improvável, de que seu candidato se eleja, se esquece de que a ele mesmo coube a responsabilidade de aumentar o fosso que divide o país entre pobres e ricos.
Quem está buscando a união nacional é exatamente um governo, como o de Lula, que procura combater a desigualdade, e está conseguindo fazê-lo, com os programas assistenciais e com o aumento do nível de emprego. Se os neoliberais puros, como é o caso do ex-governador de São Paulo, chegarem ao poder, será retomada a política de privatizações e de destruição das empresas privadas nacionais, com mais “reengenharia” empresarial com o desemprego em massa, financiado pelo dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador, administrado pelo BNDES.
Uma testemunha da Revolução Francesa conta o que ouviu de um camponês sobre o movimento: não o incomodavam as dificuldades econômicas impostas pelas guerras, porque ele se sentia, desde que caíram os privilégios feudais, um homem como os outros. “Manteinant, je suis un citoyen ”.
Quando um trabalhador, acostumado a ser confundido pela polícia com malfeitores, vê um figurão ser algemado pela Polícia Federal – como ocorreu ao Presidente da Assembléia Legislativa e ao Presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia – sente-se redimido. Não são apenas os de sua classe que são submetidos à cadeia. Se não pode igualar-se aos poderosos na renda e nas comodidades da vida, os ricos a ele se igualam, diante da repressão policial. A minha memória de jornalista não registra ter visto, antes, grandes banqueiros, políticos de renome e juizes serem algemados a caminho do xadrez. Enfim estamos cumprindo a Constituição, que assegura a igualdade de todos os brasileiros perante a lei.
Há alguns fatos que aborrecem profundamente a elite, sobretudo a elite de São Paulo. Ela não admitiu a ação policial contra a Daslu, templo da alienação e da arrogância diante da penosa situação social do Brasil. As imagens da imensa loja e de suas empresas de fachada sendo invadidas por policiais armados, em busca das provas de sonegação fiscal, fizeram chorar os ricos e poderosos, na solidariedade com os transgressores. Até mesmo o então governador de São Paulo – hoje candidato contra Lula – sentiu-se constrangido com a ação do Ministério Público, da Polícia Federal e do Fisco, e com suas peculiares razões. Senadores conhecidos vociferaram contra a Polícia. Esses que se sentiram incomodados – do outro lado da razão e da ética – com a fiscalização contra os grandes, são os mesmos que pedem a pena de morte contra criminosos comuns e bradam contra as invasões de terras vazias pelos trabalhadores sem terra.
Estamos como el hombre de la esquina rosada. Sentimo-nos humilhados com a humilhação a que os fracos são submetidos, aqui e no mundo. Na fábula borgeana, o solidário vai atrás do valentão que tomou a mulher do humilhado, e lhe faz justiça com o punhal, a fim de antecipar o amanhecer. Aqui, e por enquanto, o voto basta.
Mauro Santayana é jornalista e colunista político.
2006-08-25 03:37:30
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answer #1
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answered by sidney 4
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