Nascida em 1582, na Matamba, Nzinga era neta de Ngola Ndambe, filha de Ngola Kiluanje Kia Samba e irmã de Ngola Mbande. Segundo registros históricos e literários, vivia “cercada de servas, soberbamente trajada, acomodada sobre um trono singular e imponente” (MUSSA,1999). O romance do angolano Manuel Pedro Pacavira, por exemplo, corresponde, simultaneamente, a um registro etnográfico, na medida em que convida seu leitor para, além de conhecer a história deixada por Jinga – que “cresceu bela, carinha bonita, alegre, simpática, sendo o seu defeito: virar *****-fera-ferida, caso que lhe violassem um direito” (PACAVIRA,1975:17) –, tomar conhecimento do contexto sócio-cultural do reino de onde se origina a rainha: “Mas comecemos pelos tempos dos seus antepassados“.
Desta forma, embora limitadamente, os raros registros sobre Jinga propõem ao leitor uma viagem ficcional através da história e da cultura angolanas, do século XV ao XVII. Além de retratarem as atividades sócio-econômicas que predominavam no Reino do Ndongo, devido às intensas relações comerciais da região, também permitem que o narrador direcione o olhar do leitor para práticas cotidianas pouco observadas pelos escritores em geral: as ações das mulheres do interior de Angola.
Conforme pesquisas realizadas por Roy Glasgow, a linhagem familiar permitiu que Jinga – a herdeira – conquistasse o reino do Ndongo em 1623, aos 41 anos de idade, apesar das desavenças com o irmão, de quem o reinado era de direito. Jinga, porém, coroou-se rainha após sua longa estada em Luanda para estabelecer acordos com os portugueses, tendo sido batizada na Catedral em 1622, como parte das negociações, “em presença do Governador, do clero, de oficiais militares, fornecedores, magistrados e o povo da cidade” (GLASGOW, 1982:88). Com o batismo, passou a chamar-se Ana de Sousa, recebendo o sobrenome de seu padrinho, o Governador João Corrêa de Sousa. Essa visita da rainha a Luanda, em 1622, ficou marcada por um curioso episódio ocorrido por ocasião de seu primeiro encontro com o Governador, fato que ainda tem provocado polêmica não só em Angola como também entre os estudiosos de sua vida: durante a audiência com o Governador, para explicitar sua insubmissão, Jinga recusou-se a assentar-se em uma almofada no chão e ordenou que uma de suas escravas ficasse de quatro, servindo de poltrona para ela.
Segundo Luís da Câmara Cascudo (2001), Jinga “instalou-se como uma soberana autêntica, na legitimidade de todas as tradições africanas, luxo, armas, festins, invasões de fronteiras, massacres de suspeitos, consolidação militar. Não eram assim os césares de Roma e os basileus de Bizâncio, Luís XI da França, D. João II de Portugal, Filipe II de Espanha?” Glasgow, por sua vez, afirma que “Nzinga (...) despertou e encorajou o primeiro movimento nacionalista de que se tem conhecimento na África Centro-Ocidental, organizando a aliança nacional e internacional (o Manikongo) em sua oposição total à dominação européia.” (1982:177)
Há, todavia, ambigüidades e controvérsias em relação a várias passagens biográficas da Rainha da Matamba, inclusive quanto à grafia de seu nome. Realidade ou mito, o fato é que são muitos e surpreendentes os feitos de Jinga em prol de seu povo, contra a opressão européia. Para a historiadora angolana Rosa Cruz e Silva, “as expectativas em manter esse ideal, ainda que goradas, não retiram de algum modo a importância que teve esta soberana no contexto da luta travada na época para garantira a permanência de um modo de vida próprio de um povo.”
Portanto, seja pela intensidade de suas atitudes ou, supostamente, pelo poder das pedras mágicas de sua região, Nzinga Mbandi revela-se – histórica e literariamente -, como a grandiosa rainha do Ndongo. “Encontro-a viva, citada, contemporânea, de Cabinda a Benguela, de Luanda às terras de Lunda.” (CASCUDO, 2001). Por isso, a força de seu reinado atravessa o Atlântico Negro e aqui, neste Ndongo afro-brasileiro, faz aportar sua figura heróica de resistência contra o colonialismo português; sua inteligência e engenhosidade política; sua habilidade para estabelecer negociações com outros sistemas culturais e acentuado poder de liderança. Ou seja, Jinga passa a habitar nosso imaginário como um modelo exemplar para todos nós, mulheres e homens brasileiros, negros e brancos, herdeiros dessa matriz histórico-cultural africana e de língua portuguesa.
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Entre 1876 e 1893, reinava no Bailundo Ekuikui II, substituto de Ekongo-Lyo-Hombo
2006-08-23 01:54:21
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answer #1
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answered by Anonymous
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