Essa não é uma pergunta facil...
Vejamos coisas bem antigas... Evidências de modificação corporal voluntária foram encontradas nas tumbas da região de Dordogne, na França, onde fica a gruta de Lascaux, e também na SÃria. Estamos falando do PaleolÃtico Superior, qualquer coisa entre 40 mil e 10 mil a.C. Em Dordogne, arqueólogos acharam ferramentas pontiagudas, inclusive agulhas, feitas de pedra e chifres,
Pertencentes à cultura Magdaleniana (15 mil a 10 mil a.C.). Em Mousterien, em meados da era paleolÃtica (entre 200 mil e 60 mil a.C.), os homens adornava o corpo com pó de ocre, corante mineral, que, por intermédio de calcinação, transformavam em vermelho. Nos sÃtios de Neandertal (700 mil ou 500mil a.C.), havia pigmentos naturais. A idéia, era parece desenhar no corpo do morto.
Hoje cada vez mais, o hábito de tatuar a pele vem se tornando algo comum entre as pessoas, independentemente da idade, profissões exercidas ou grupos sociais pertencentes. Contudo, apesar deste processo de popularização das tattoos, todos os tatuados hão de concordar que em algum momento do seu cotidiano eles ainda são alvo de preconceito e discriminação. Diante deste fato, resta-nos uma reflexão: porque a sociedade ocidental contemporânea continua se incomodando ou, pelo menos, estranhando uma prática que acompanha o homem desde a Antiguidade?
Para muitos historiadores, a resposta, provavelmente remonta a vestÃgios religiosos da Idade Média. Naquela época, a Igreja Católica baniu da Europa toda forma de marca na pele. Tatuagens, cicatrizes e, até mesmo, marcas de nascença eram consideradas coisas demonÃacas, podendo levar o portador de tal “deformidade” a enfrentar o julgamento da Santa Inquisição, tribunal montado para a punição dos hereges. Acontece que, entre outras atrocidades cometidas pela Igreja, esta foi uma forma de se tentar repelir qualquer influência de culturas não cristãs sobre as sociedades comandadas pelo Vaticano.
Como vimos anteriormente desde os primórdios da humanidade, cobrir o corpo com tinta ou fazer marcas definitivas na pele sempre foram sÃmbolos de distinção social ou religiosa. PaÃses distintos como o Egito, Indonésia, Nova Zelândia e Japão tiveram suas historias marcadas pela ostentação de tatuagens com fins tribais e espirituais ou para indicar o status social das pessoas.
Na Europa, aspectos religiosos também eram a inspiração para as tatuagens em diversas civilizações, principalmente os vikings, normandos e saxões. Como o contato com estes povos freqüentemente representava a incorporação de novos elementos e crenças à cultura cristã, banir tais indivÃduos e seus costumes tornou-se lei.
Seguindo esse preceito, a Igreja declarou como malditos todos que carregassem sinais oriundos de culturas pagãs, principalmente os que representassem uma ameaça ao controle polÃtico, como os berberes, os mouros (árabes mulçumanos) e os povos do norte da Europa e Ãsia – entre eles, os hunos, que tinham o costume de marcar o rosto dos homens adolescentes com cicatrizes, espécie de rito de passagem para a vida adulta.
Este cenário somente começou a se modificar na passagem da Idade Média para a Idade Moderna. Neste perÃodo, final do século XV, o continente europeu presenciou a derrocada do sistema feudal e o fortalecimento das monarquias, que passaram a incentivar as navegações com o objetivo de estabelecer novas rotas comerciais entre a Europa e a Ãsia, fugindo do bloqueio do Mediterrâneo imposto pelo império Turco-Otomano.
Através das navegações, os europeus passaram a ter contato com as nações da região sul da Ãfrica e do “novo” continente, a América. E qual foi à novidade se não a constatação de que também entre estes povos o costume de cobrir o corpo com tatuagens e ornamentos perfurantes (piercings) era bastante difundido!?
Com a vinda dos brancos para a América e o surgimento das novas sociedades originadas a partir da miscigenação, o estranhamento diante das tatuagens arrefeceu um pouco. Assim, entre os habitantes das colônias européias em solo americano, mesmo com a intervenção da Igreja, que procurava converter em fieis religiosos todos os Ãndios, maias, astecas e incas, as tatuagens começaram a ser moda entre a nobreza.
Não demorou muito e a troca de informações entre as colônias e as monarquias fez com que tal moda também chegasse aos nobres europeus. Desta forma, no final da Idade Moderna (fim do século XVIII), as tatuagens também se difundiram entre os membros das cortes européias.
Entretanto, apesar de se tornarem moda entre nobres, as tatuagens ainda eram malvistas pelo clero e pelas camadas populares da sociedade, que se sentiam mais ligadas aos ditames da Igreja e viam as extravagâncias da nobreza como práticas pecaminosas.
Pesquisadores indicam que este pode ser um dos motivos pelo qual a ostentação de um corpo tatuado passou a ser interpretada como um sinal de vagabundagem. Afinal, as farras e o luxo eram coisas possÃveis apenas para os artistas e os nobres, que não precisavam trabalhar. Se estas são simplesmente lucubrações teóricas não podemos comprovar, mas o certo é que as tatuagens chegaram à Idade Contemporânea com esse estigma, sendo uma “coisa de vagabundo”.
Em plena Revolução Industrial, e a partir dela, somente aos artistas e aos bandidos era permitida a prática de desenhar sobre o corpo. A exceção era apenas dada aos marinheiros, que ostentavam seus braços tatuados como troféus de uma vida.
No século XX, as tatuagens foram novamente introduzidas à sociedade através da popularização do surf, porém mais uma vez o costume estava atrelado a um segmento da sociedade nem sempre bem visto. Afinal, até hoje, para as camadas mais tradicionais, um surfista nada mais é que um bon vivant, para não dizer, reiteradamente, um vagabundo.
Em se tratando ainda do século passado, um outro exemplo de que o preconceito contra as tatuagens e piercings ainda estava em voga pode ser verificado ao lembrarmos que os dois costumes foram utilizados como sÃmbolo de rebeldia contra o status quo por dois dos principais elementos da contracultura dos anos 1970: as comunidades hippies e os punks. Para os indivÃduos ligados a estes movimentos ter o corpo coberto por desenhos e ornamentos significava uma recusa à s imposições do sistema capitalista, numa clara referencia aos primórdios tribais e naturalistas da humanidade.
Chegamos,então, ao nosso tempo, quando, felizmente, a juventude nascida nas últimas décadas do século XX viu nos hippies, punks e surfistas verdadeiros Ãcones da transgressão a serem seguidos em meio ao mundo globalizado e individualista.
Atualmente, tatuagens e piercings, apesar da discriminação velada que ainda existe, foram alçados ao tÃtulo de arte, a body art (arte corpórea). Logicamente, estamos longe da total liberação e em muitos profissionais – na verdade a grande maioria – as pessoas ainda têm de esconder suas tatuagens e piercings, ou então lançar mão de jóias e desenhos mais discretos. Contudo, esta é uma realidade que está em mutação e cada vez mais as novas gerações vão de encontro ao preconceito.
Os jovens de hoje sabem que competência e honestidade não têm nada a ver com a imagem e o estilo individual de cada um. E estão prontos para enfrentar todos os olhares e comentários, cientes, assim como os homens de outrora, de que a liberdade de expressão é um direito de todos em corpo e alma.
Bem acho que é isso...
2006-08-22 13:24:08
·
answer #2
·
answered by Agulha3al 3
·
0⤊
0⤋