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de qualquer poeta
mas q o tema principal seja o preconceito ñ só o racial mas de todos os tipos

2006-08-04 10:36:57 · 13 respostas · perguntado por amanda rock n roll 4 em Artes e Humanidades Outras - Artes e Humanidades

13 respostas

Por que me olhas com desprezo
quando por você eu passo?
Será minhas tatuagens pelo corpo
Ou será o calção que a todo momento eu amasso?

Se não sabes o que penso
Nem ao menos se interessa
Como podes ter uma idéia pré-concebida?
Será loucura?
Ou será excesso de pressa?

Não se engane não:
sou surfista mas tenho coração

Não aches que sou um anjo por ter os olhos azuis
Posso ser um capeta
No escuro ou na luz.

Antes de me criticar se achegue
venha me conhecer
abra-se para mim como o mar
e venha na minha onda surfar.

2006-08-04 10:44:10 · answer #1 · answered by Surfista 2 · 0 0

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2006-08-04 22:06:50 · answer #2 · answered by Ana 2 · 0 0

Quem passou pela vida em brancas nuvens,
e em plácido repouso adormeceu,
quem não sentiu o frio da desgraça,
quem passou pela vida e não sofreu,
não foi homem,
foi aspecto de homem,
só passou pela vida e não viveu!

autor desconhecido

2006-08-04 18:54:00 · answer #3 · answered by Malukety em movimento 7 · 0 0

vai lá, segura esa.

tenho tanto pra dar, mas ninguem quer
tenho tanto a esconder, mas sempre me acham
quero tanto poder, mas não posso ter
tantas vidas tirei, mas por hoje bastam

por que se a voce não neguei?
por que se a voce so amei?
por que se a todos precionei?
por que se na vida nunca te chamei?

cor , raça , cultura, religião
nem sempre na vida se quer errar
opinião, pensamento,por vezes paixão
o que espero da vida é apenas te amar.



nelo costa

2006-08-04 17:57:29 · answer #4 · answered by Manuel R 1 · 0 0

Enquanto você come
um saboroso pernil,
crianças morrem de fome,
no interior do Brasil.
de JOÃO BIRICO FILHO

2006-08-04 17:54:35 · answer #5 · answered by Tricolor Flu 4 · 0 0

Poema de Gonçalves Dias, sobre uma mestiça de índios e europeus, sobre o preconceito que sofria na aldeia por ser mestiça, ou, "Marabá":

Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
— "Tu és", me responde,
"Tu és Marabá!"


— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!


Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços",
Responde anojado, "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"


— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.


Se ainda me escuta meus agros delírios:
— "És alva de lírios",
Sorrindo responde, "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."


— Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor! —


"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Qual duma palmeira",
Então me respondem; "tu és Marabá:
"Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."


— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram
— De os ver tão formosos como um beija-flor!


Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá,"


————


E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:


Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!

2006-08-04 17:50:55 · answer #6 · answered by Marcos W 3 · 0 0

"Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu tambem não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou um miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Tambem não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo."

(Bertold Brecht)

2006-08-04 17:48:12 · answer #7 · answered by Gibi 6 · 0 0

É você vítima do preconceito?



Procura-se noiva. Deve ter pele clara e ser esbelta, universitária ou preferivelmente pós-graduada. Tem de ser de boa família e que tenha bens. Prefere-se alguém da mesma casta.


Assim rezam muitos típicos anúncios matrimoniais na Índia. Na Índia, tal anúncio costuma ser feito pelos pais do prospectivo noivo. A resposta talvez inclua uma foto da moça, vestida de um sari bem vermelho e usando muitas jóias de ouro. Se a família do rapaz aprovar, poderão começar os entendimentos com vistas ao casamento. Neste anúncio entra o preconceito, não se procuram grandes padrões, senão riqueza, beleza e a cor da pele clara, isto se deve à crença arraigada de que as castas classificadas como inferiores na sociedade hindu são de pele escura. Em pequenas, ou grandes coisas se pode notar se existe algum preconceito.

Mas afinal o que é preconceito? Um certo dicionário define essa palavra como: “conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou razoável”. O que a violência étnica, o racismo, a discriminação, a segregação e o genocídio tem em comum? Todas essas coisas são conseqüências de uma tendência humana generalizada: O preconceito! Que outro dicionário define preconceito como “conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos”. Todos nós estamos propensos, até certo ponto, a ser preconceituosos. Talvez você se lembre que já agiu assim em certas ocasiões, ou tirou conclusões sem dispor de todos os fatos.

Mas se você já agiu no passado assim, viu que agiu muito mal, porque o preconceito magoa os outros. Nutrir idéias preconceituosas para com outros, leva a divisões e barreiras com aqueles que nos rodeiam. Talvez alguém induzido pela idéia do preconceito, pode chegar á conclusão errada que certa pessoa é preguiçosa, gananciosa ou orgulhosa só por tal pessoa pertencer a determinado grupo religioso, étnico ou nacional. Por tal mau juízo muitas pessoas são maltratadas de modo injusto e sofram abusos e violência. Lembre-se que milhões já morreram em massacres, genocídios, matanças étnicas e outras foram vitimas de preconceito extremista. Agora vamos ver na práctica como isso pode ser. Por exemplo, infelizmente para muitas vítimas que contrairam a sida, seus problemas são agravados pelo modo desequilibrado de muitos, que pouco sabem dobre a sida. Em muitos casos, os pais inculcam preconceitos na mente de seus próprios filhos contra os aidéticos. Até mesmo depois de os médicos dizerem que não existe perigo de contágio, muitas vezes nas escolas, supervisores e directores de escolas tem-se recusado a matricular alunos infectados com o vírus da sida. Outro problema é a situação de milhões de estrangeiros, calcula-se que cerca de 100 milhões de pessoas vivem num país que não é a sua terra natal, e também aí nesses países de acolhimento acontecem muitas histórias tristes originadas pelo preconceito.

Quando algo acontece de mal, muitos culpam logo os estrangeiros, existem muitos relatórios de intolerância, ódio a estrangeiros. Como notas idéias preconceituosas levam a que meio mundo, desconfie de outro meio mundo. Infelizmente em todo o mundo, ódios raciais, conflitos nacionais e hostilidades entre famílias continuam a proliferar. Requer muitos esforços conscientes para controlar nossas atitudes e livrar-nos de preconceitos, muitas das vezes bem arraigados. Muitas das vezes talvez sem mesmo dar conta reagimos de um modo resultante de nossa educação e ambiente em que fomos educados! Certo jurista e editor escocês Lorde Francis Jeffrey até mesmo admitiu: “Não há nada que o homem demore mais para perceber do que a extensão e a força dos seus preconceitos. Reprimir sentimentos de preconceito no íntimo requer muito trabalho, porque nossa formação exerce em nós uma forte influencia. Em todo o mundo muitos governos desejam combater o preconceito e garantem por lei o direito inviolável á liberdade, á segurança e igualdade. Isso está no papel, na constituição de seu país. No entanto, o preconceito e a discriminação são uma coisa generalizada em escala mundial. O preconceito tem suas raízes na ignorância em relação a certo grupo étnico ou nacional. Isso devido a rumores, animosidades antigas, ou experiências negativas de outras pessoas, é lamentável, mas uma vez que o preconceito se tenha enraizado, ele pode impedir a todos nós de ver as pessoas e as coisas como elas são. Por outro lado muitos políticos muitas vezes promoveram e exploraram o preconceito de seus súditos para fins políticos ou nacionalistas. Hitler é um exemplo clássico disso.

Georg, ex-membro de Juventude Hitlerista, diz: “A propaganda nazista nos ensinou primeiro a odiar os judeus, daí os russos, e então todos os inimigos do Reich”. Assim como se deu na Alemanha nazista e em outros lugares, o preconceito racial ou étnico já foi justificado com base no nacionalismo, que é outra fonte de ódio. Muitos países inventem histórias sobre feitos alegados de outros povos para levar a cabo seus meios de ódio e preconceito. A juntar a tudo isto existe o preconceito religioso, em várias partes do mundo as pessoas são odiadas devido á religião que professam. A pessoa que é preconceituosa nunca tem amizades estáveis e leais com outros, sendo alguém que desconfia de tudo e de todos sem fundamento, passa sua vida infeliz e cheia de desconfiança. O preconceito nota-se como os outros nos tratam e como nós lidamos com os outros, é um cancro arraigado aos humanos, feliz aquela pessoa que luta para vencer esse estado de infelicidade, e tenta ter uma mente aberta, falando com todos, escutando a todos, respeitando as convicções dos outros, quer sejam políticas ou religiosas, não é fácil, mas é possível livrar-se do preconceito, por que se alguém não se livrar do preconceito acontece que viverá e morrer em preconceito! Certamente você, como eu nos sentimos mais achegados aqueles que não mostram preconceito, que são meigos, carinhosos e escutam sem preconceito aquilo que dizemos, então sim nos sentimos bem, porque outros respeitam nossas crenças, opiniões e nossa dignidade!


Deborah Brennand


Sem Preconceito


Senta no primeiro degrau

o mais baixo, todo esmagado,

onde a pedra se une à terra

sem preconceitos.





Ambas têm veios negros.





E sê atenta aos sinais

a alma é muda. Mas,

o coração entende

e traduz bem





o que ela diz calada.





Escuta e sê atenta

lodo e escorpiões

juntos nas frestas

fingem amorosa inocência.





Sem preconceito, são inocentes?




* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *





DE MÚSICA POPULAR E POESIA

Antonio Medina Rodrigues



Há uma pequena tradição de comentário e crítica da canção popular, que se divulgou pela radiofonia e antigas revistas de rádio, mas que também não é estranha das programações de caráter cultural, feitas na televisão. É uma tradição impropriamente tomada como "menor". Teve "especialistas", que dedicaram a ela uma vida inteira, voltados sobretudo para a produção e comentário de discos, programações, etc. É verdade que estes últimos eram na maioria "práticos", ingênuos, ou simplesmente comprometidos com os bastidores do mercado fonográfico. Mas com freqüência foram capazes de dizer em linguagem elementar aquilo que o crítico de literatura às vezes só consegue falar em linguagem difícil (e, além disso, comunicavam para milhões de pessoas). Existe, também, uma pequena literatura sobre música popular, que aumenta de proporções se nela incluirmos o que vai nas secções especializadas da imprensa. Esta última, porém, se mostra como o avesso da antiga crítica do rádio e das revistas, pois não leva tanto em consideração o que é singelo e primeiro na canção popular, mas a aparatosa semiótica que se agita no palco eletrônico. E é bom não esquecer o livro didático, que a cada dia mais e mais absorve a canção popular no âmbito do ensino de literatura. Há quem condene isso, e às vezes condene não exatamente por razões didático-pedagógicas, mas por preconceito. Pessoas de certa formação acham que música popular é coisa para se comentar com amigos mais chegados (há um certo pudor) e mesmo assim rapidamente, entre um assunto e outro. Mas nem sempre é só o preconceito que atua. É também a extrema dificuldade que ternos de falar do que é ou do que parece muito simples. No caso da canção popular, esta dificuldade se multiplica pelo fato de ela ser texto simultaneamente poético e musical, o que faz com que suas palavras não devam ser consideradas a partir do papel frio e estagnante, mas a partir do movimento lábil da melodia, que se evapora no momento em que se executa. Daí que as pessoas costumem falar de música popular, lembrando-se apenas da "letra". Daí também que o discurso musical seja mais difícil que o discurso acerca da poesia, e isto percebemos a partir do momento em que decidimos falar do impacto da música em vez de falar de nosso conhecimento técnico de música.

Falar de música, no primeiro sentido, requer que se traduzam impressões, e isto exige da crítica um compenetrado esforço de objetivação da subjetividade. Posso convencer algumas pessoas de que Mozart é "azul", como disse Fuhrtwangler. Mas minha dificuldade aumentará substancialmente se eu tiver de explicitar o que seja esse "azul" de Mozart. É, porém , uma dificuldade que diminui abissalmente se eu analisar, se eu discorrer sobre aquilo que a bibliografia costumeiramente apresenta como domínio comum na obra de Mozart. A mesma dificuldade ocorre no comentário de música popular. Se sou descritivo, se me apego ao objeto como algo exterior, definido na pauta e nas estruturas, estarei falando sobre música, mas não estarei traduzindo minha experiência da música. E, se tento realizar esta última, tenho de arrancar da alma pedaços de iluminação, para convencer os outros de que a minha impressão profunda, por mais pessoal que seja, é, de certa forma, objetivável. A primeira dificuldade está em que ninguém é obrigado a aceitar que Mozart seja "azul". Porém, meu esforço em prová-lo, ou a maior ou menor coerência do que posso dizer sobre isso, acaba dando a meu discurso uma argumentação persuasiva, que pode ser aceita comunitariamente, até que outra interpretação, melhor ou mais fina, venha para conviver com a minha ou substituí-la. É neste último exercício de crítica que se consegue pelo menos falar um pouco da música em sua dimensão de existência e efeito, em sua dimensão de gozo presente e imediato. Estes problemas se dão também com a música popular. Mas como este último exercício crítico é sofrido e difícil, e ronda a toda hora a subjetividade, a moderna crítica da canção popular acaba dividindo-se entre dois comentários, o da "letra" e o da aparelhagem técnica. Daí também que ela tenda a ser considerada ou na esfera da literatura ou na do espetáculo cênico.

Mas a canção popular, também por si mesma, quer aproximar-se destes dois pólos de opinião e crítica. Isto lhe dá uma certa segurança. Os compositores se esforçam cada vez mais por serem admitidos no território das musas poéticas. Por outro lado, essa tendência dos compositores, que roubam da linguagem literária seus melhores momentos, também representa o reconhecimento de uma espécie de crepúsculo da oralidade "pura", do lado da cultura popular. O compositor moderno já faz força para ser "lido". Além disso, esta tendência que reforça o valor da leitura na composição popular se apóia numa forte expectativa do público, que do compositor espera certas "soluções". Mas, quando falo em leitura da música popular, não me refiro ao ato puro e simples da leitura, como se realiza normalmente num texto escrito. Falo da complexidade, da espacialização dos símbolos, do esforço por que o compositor quer imprimir na canção um mínimo espaço de enigma e de reflexão. O fato de que a poesia escrita, por ser de "alta definição", não se encaixe bem nos ritmos populares, acaba importando pouco, porque a própria técnica tem sabido superar essa diferença, acomodando-a, escondendo-a, abrindo espaços para uma concepção tão ampla e tão eclética de espetáculo, que nela praticamente cabe tudo, desde a pura e simples declamação de Drummond ou Fernando Pessoa, até a moderna "parábase" do show, em que o artista faz sua própria metacrítica, discorre sobre política, fala de suas "posições", etc. Estes últimos processos em que se trabalha a música popular ajudaram a eclipsar o segmento oral que dominara a canção (e a vida) urbana da primeira parte deste século. Introduziram a poética da mistura. Todavia, não são uma novidade absoluta. A antiguidade também os conheceu. Os comediógrafos gregos antigos, como Aristófanes, por exemplo, não eram só grandes poetas, eram bons músicos, e sabiam fundir muito bem as duas artes. Aristóteles, na Poética, fala do espetáculo trágico como de algo constituído, entre outras coisas, pela ação, pela palavra e pela música. E a grande poesia medieval quase que foi exclusivamente concebida para o canto. O barroco, séculos além, fez os primeiros ensaios operísticos, que iriam recolocar o teatro no coração da música. Depois Mozart, com a Flauta mágica ou com D. Giovanni, levaria, como sabemos, esta fusão ao sublime. Tudo isso é mistura, composição a partir de elementos heterogêneos, governados a certa distância pela inteligência criadora. Se bem que o processo contrário também se tenha fortalecido: as línguas modernas, desde o Renascimento, também experimentaram uma volúpia insaciável de poesia estrita e autárquica, essa poesia que começa e termina pela escrita e pretende exprimir os labirintos do "eu".

E é esta, com ou sem equívocos, que tem fomentado o padrão "elevado" do gosto. Assim, poderíamos falar de duas tecnologias algo desnaturantes: uma liquida a alma da voz, transforma a voz em escrita, outra, mais endogâmica, transforma a escrita em labirinto. Evitarei, no possível, falar de valores, limitando-me a morfologias, transformações que estão à vista de todos. Enfim, não estou preocupado em discutir se isto é bom ou é mau. Mas sei que a voz brasileira virou escrita, mesmo e sobretudo "fora" do papel. Falo da voz de todos os dias, que empregamos para discutir ou para comprar pão. Enfim, é uma voz que se torna cada vez mais menos fonética e menos existencial para tornar-se mais fonológica, mais dominada pelo abstrato. Claro que não é à música popular moderna que se deva tributar isto. Isto é coisa de civilização.

Seria ocioso continuar falando aqui de significativos episódios da história, em que poesia e música se aproximaram ou se afastaram. Isto depende de muitos fatores, até mesmo exteriores à evolução do gosto. Porém uma coisa sempre pareceu líquida, apesar de todas as maquilagens: é que a melhor manifestação de um poema nem sempre se dá no canto, no acompanhamento musical. Há poemas que nascem da escrita para a escrita, para serem lidos, ou no máximo, com alguma contrafação, que às vezes ronda o ridículo, para serem discretamente declamados. Noutros termos, há um tipo de poesia que não se mostra verossímil com a fala de cada um, e deve ser lida em silêncio ou lida com voz neutra e correta: poesia de multiplicação de gráficos, de espaçamento intenso do texto, poesia com um extremado excesso de significações. Enfim, poesia que explora o "meio" escrito, de maneira não-inocente. Com Homero, primeiro dos poetas, foi diferente. Qualquer um pode declamar Homero. Porque Homero é público, oral e suprapessoal. Mas há um certo ridículo em ouvir-se alguém a declamar Drummond, pondo no gesto e no corpo aquilo que Drummond viveu sobretudo na imaginação problematizadora dos símbolos. Porém, dada a validade da poética da mistura, isto não impede que o mais hermético poema seja cantado até debaixo de banda de rock. Pois a poética da mistura neutraliza as diferenças de princípio. Nela, o limite da arte não é tanto a concepção imanente do artista quanto a "factibilidade". É o processo e o ritmo do "fazer", que reúne elementos heterogêneos, o que dá o critério da poética da mistura. Ela se faz contra as evidências do sujeito.

Aristóteles enunciava, no sexto livro da Ética de Nicômaco, que o que governa a arte é T´ykhe, o imprevisto. Claro que Aristóteles era um clássico e não gostaria de ver combinações absolutamente abstrusas no território do fazer artístico. Mas, independentemente do seu próprio gosto, o que o filósofo disse do caráter "casual" e heteróclito deste fazer vale até hoje. Por toda parte, na Poética de Aristóteles nós temos a impressão de que a obra de arte verbal resulta de uma combinação verossímil de frases, mitos, música, formas teatrais, tipos de discurso, etc. Enfim, Aristóteles é o primeiro grande empirista em análise de poesia. Sua concepção discrepa totalmente da de Sócrates-Platão, exposta no Ion. Aqui, o poeta é considerado um ser imantado pela divindade, que fala através dele. Aqui, tudo se passa no interior deste fenômeno particular, pessoal e mágico de gestação da poesia na alma do artista, e a técnica já é algo que vem impresso no ato de possessão do poeta pela divindade, ao contrário do que postula Aristóteles.

Mas é claro que nós não podemos entender a T´ykhe aristotélica como uma espécie de reino do arbítrio infinito. Pois a invenção mais estranha deve, para ele, estar sempre sujeita a um certo controle interno e por isso é que o filósofo lembrava que a metrificação de um tratado de medicina não dá origem a um poema. O trabalho artístico não é um simples jogo do azar, ainda que às vezes pareça. É azar, mas também "necessidade". A poética da mistura depende, pois, de recursos técnicos que de certa forma estão "fora" do artista e aí estão implicados não apenas os instrumentos propriamente industriais, mas a própria linguagem da poesia, que o poeta recebe da tradição como coisa feita e acabada.

Assim, o moderno espetáculo da canção popular tem muito que ver com esta concepção de que a poesia cantada deve necessariamente contar com as séries de acaso propiciadas pelo uso da instrumentação, e de materiais já feitos, que socialmente estão à disposição do artista. Acredita-se que por aí acabe nascendo uma unidade coada através das diferenças, estas diferenças produzidas por adjunções inteiramente práticas, independentes da unidade orgânica e profunda, pré-vivida no coração do poeta. Na verdade, o que está acontecendo é que a canção popular, que nasceu pelo e para o ouvido, começa a transferir-se para o espetáculo visual. E não exclusivamente porque o espetáculo seja algo para ser "visto", mas porque este espetáculo impede a reflexão do ouvido, impede a obediência do espectador a um sentido com que ele possa intimamente dialogar, um sentido que vem de longe e a custo, a cavaleiro da canção que se canta simplesmente. Assim, digamos que a unidade de um show de canção popular é construída mais na base de uma intuição "ecológica" do que propriamente pessoal e criacional. Nele, a criação pessoal, que obviamente não dispensa o seu momento, fica muito mais sujeita à dosagem e metabolismo dos meios.

Para muitos, como se sabe, isto desvaloriza a canção popular, tira-lhe a aura, mata-lhe aquele demônio que reclama a exclusividade da expressão. Não há dúvida de que essa reprovação procede de uma recusa sincera. Contudo, o argumento antitécnico, com que se costuma apoiar esta recusa, é de uma nostalgia que não tem razão de ser. Afinal, estamos "nesta" história e não noutra. Em arte não se pode ter o preconceito da ecologia, pois todo mundo tem vez, até e sobretudo o espectador, que deve ter direito de fazer suas escolhas. A indústria veio para ficar, para inventar um outro Adão. Aliás, desde que se imagine o homem no universo, não há natureza "pura". Todo homem é obreiro, a humanidade começa pela tecnologia. Não sou eu que digo, é o genial Giambatista Vico, por sinal, católico de quatro costados. Toda cultura, afinal, é tecnológica, mesmo quando se pensa na dimensão representacional, erguida sobre a energia do símbolo. E, por fim, poesia mais pura ou mais primitiva, como a que se encontra em Ataulfo Alves, é algo que também se "faz" e que pressupõe uma destreza mínima. Ela é também um fazer, um poiein. Não é mistura, não gosta de paródias ou intertextos, não quer saber de ironia, nem da "negatividade". Canta, sem interpretar o que canta. Não há nela nenhuma opinião que não venha da esfera particular do indivíduo ou que transcenda artisticamente a esfera imediata da vida. Nela o compositor tem a malícia do "seu" mundo, não a malícia "do" mundo. Não obstante, ela também é industrial. O que mostra, portanto, que não é o caráter industrial ou tecnológico que faz a diferença de qualidade, mas o modo como esta qualidade trabalha a dimensão industrial ou tecnológica, transformando-as ou submetendo-se a elas ou simplesmente tentando um equilíbrio entre os processos do "sentir" e do "fazer". Compare-se Cartola com Caetano Veloso. Cartola está todo mergulhado no que "faz", como se o público não tivesse importância. Caetano só pode cantar para o público, trabalhar com as expectativas do público, porque sua lírica é uma lírica da competência, da comunicação, ainda que se resguarde debaixo de um ou outro enigma e se esforce por colocar-se como sujeito (e não objeto) dos meios industriais, "escravizando-os" à sua subjetividade, que é, aliás, o que pode fazer todo grande artista moderno. Mas, de qualquer forma, a expressão pessoal de Caetano deve pagar algum pedágio aos meios e ao tipo de relação abstrata que ele tem com a sociedade que compra seus discos. Por isso é que a expressão da subjetividade, nele, se transforma numa espécie de projeto inevitável. Além de cantor e compositor notável, Caetano tem uma qualidade rara na música popular de hoje, a saber, a de que sua subjetividade é estratégica, mas real, não mente, uma subjetividade que vigora nos dois pólos da composição e da voz. Caetano sonda uma sensualidade brasileira, que há muito procura incorporar em si mesma certos tons asiáticos, certa arkhé crioula, meio "pau-brasil". Com Cartola acontece outra coisa. Cartola não teve que provar nada. O que Cartola canta em grande parte vem da sensibilidade imediata e da estrita experiência pessoal do mundo, com uma técnica que esteve sempre lá, uma técnica que, por não ser acrescentada, não forçou a sensibilidade a nada, não exigiu nenhuma compensação criadora. E, nem por isso, Cartola deixa de ser mentalmente estimulante. Bons estímulos intelectuais (críticos) não vêm de projetos, mas de coisas e situações que devem possuir sua idéia implícita e misteriosa. Assim, em cada compositor ou poeta se pode buscar a instância tecnológica do símbolo, tarefa que, ao contrário do que se pensa, não se resolve com modelos antecipados, mas com muita perspicácia e sensibilidade para a instância particularíssima do objeto. É desta tecnologia misteriosa, dentro ou fora da grande época industrial, que nasce a alma da poesia, como que na condição de contrário complementar.

Não é, pois, pelo argumento antitécnico que se deva defender a canção "ingênua" e primitiva, ou a canção a palo seco, e atacar o que é industrial e moderno. Pois técnica e alma são duas instâncias da mesma síntese, que a toda hora medeiam nossa história, num jogo de riscos. Os gregos, que intuíram esta síntese, representavam-na em Prometeu, o deus que nos ensinou não só os meios industriais, mas os meios da inteligência e da idéia. Se quisermos, pois, falar da poesia de Cartola, Geraldo Pereira e Nélson Cavaquinho, devemos levar em conta o drama tecnológico que ela põe em cena e que dá conta de uma região do mundo. Mas o que eu aqui chamo técnica não se reduz ao mero comentário de procedimentos estilísticos. É algo que está ligado ao temperamento do compositor, e que é difícil captar na lógica do discurso.

E, mais difícil do que falar desses três grandes sambistas de morro, é falar de algo que de certa forma está por baixo deles, o canto a palo seco. O canto a palo seco, o canto sem acompanhamento, em que a melodia se avizinha de uma fala tonal e desesperada, esse canto é reconhecidamente espanhol. Dá-se quando o cantor andaluz, dispensando a "guitarra", parece dispensar também as palavras, que ficam como que semideglutidas, como se o cantor antes as mordesse. Se a voz é espanhola, o fundo é mourisco. 0 canto a palo seco seria portanto uma espécie de arkhé de todo canto, uma filosofia vocal, exercício embrionário do cantar ou experiência do canto antes do próprio canto. Já se vê que ele reúne as sementes da música e da linguagem falada. Com muita distância, a voz de João Gilberto faz algo parecido, mas o faz mais por sua semelhança natural com uma das vertentes da poesia de João Cabral de Melo Neto, por vezes chamada "fenomenológica", dada a maneira com que tanto o poeta quanto o cantor parecem mastigar e remastigar as mesmas palavras, levando-as a uma lisura espectral, a uma quase-neblina geométrica. Neste sentido, João Gilberto é um cantor de filosofia vocal metafísica, porque vive dispensando, reduzindo. Tanto ele quanto João Cabral estão na corrente que busca idéias puras, ou seja, busca um depuramento do concreto que, no fim e ao cabo, acaba dando um certo pitagorismo estético. Cabral faz isso porque, entre outras coisas, deseja passar a navalha em nosso discurso de banha, em nosso palavrório incorrigível, etc. João Gilberto me parece fazê-lo por outra razão, sua ternura e seu cuidado se voltam não só para uma região do desenho puro, mas para uma região onde haja absoluta quietude, impossibilidade total do ruído, paraíso que ele controla numa tensão integral, tensão que obriga o ouvinte ou a se entregar totalmente a ela ou simplesmente não ouvi-Ia. Cabral e João Gilberto são maravilhosos, conquanto não acharmos que podem funcionar como paradigma crítico de todo o cantar e de toda poesia. Sobretudo porque o parêntese que João Gilberto abre, a cada recriação de sambas antigos, passa também a navalha num barulho nativo que também é essencial, uma espécie de ouro vira-lata que está na base vocal de um Orlando Silva, de um Gilberto Alves, Blecaute, Isaura Garcia, etc., etc.

Ora, no verdadeiro canto a palo seco não se chega a uma geometria, mas a uma ontogênese concreta, a uma -espécie de teogonia de canto. Talvez nosso melhor exemplo, aquele que quer chegar a uma espécie de corpo da alma (ao contrário do que acontece com João Gilberto, que parece buscar uma alma do corpo), seja Clementina de Jesus, sobretudo nos momentos em que o regional suspendia o acompanhamento e ela entoava alguma coisa suspensa entre a fala e o canto, e que neutralizava repentinamente a diferença entre África e Brasil. Não que esta diferença ficasse encoberta. Ao contrário, a diferença aparecia como uma espécie de síntese, mas síntese irredutível a qualquer uma das partes, da mesma forma como o canto a palo seco na Espanha suspende as diferenças entre o que é andaluz e muçulmano. Não quero obviamente chamar a atenção para essa feliz confraternização das raças e povos, que faz o delírio hipócrita da crítica populista. Quero, ao contrário, dizer que a palavra assim suspensa é, num certo sentido, mais eloqüente do que a palavra enfática. Por quê? Porque a palavra suspensa no canto a paio seco é um sintoma que exprime muito mais coisas do que a palavra exponenciada, bem proferida, rigorosamente concatenada no discurso, assim como certas frases gritadas numa língua estranha nos dizem mais do que a pura e simples tradução delas para nossa língua. A palavra a palo seco, que brota como sintoma, não é convenção, é a transmissão direta de sua própria região de mundo, e, neste sentido, ela nos dá uma experiência mais imediata do concreto, uma experiência que também não deixa de ser técnica e, portanto, pedagógica, de uma pedagogia de que precisamos, quando não por outra razão, pelo fato de nos aproximar mais de um tipo de experiência que contesta a histeria auditiva provocada pelos arquipélagos culturais. É neste sentido que eu falava de "região do mundo" que a canção popular pode dizer e de uma felicidade que só ela pode propiciar. Sem ouvir cante hondo, ninguém possui um experiência profunda da hispanidade. Sem ouvir bom samba, ninguém é completamente brasileiro.

A tradição do canto a palo seco negro, que nós dissemos ter em Clementina uma de suas últimas testemunhas, não deve ter, necessariamente, antecedência histórica sobre o canto acompanhado de percussão e demais instrumentos. Ambos os estilos podem ter sido desde sempre contemporâneos. Mas é evidente que o segundo se foi tornando majoritário, por razões compreensíveis, sobretudo derivadas da história social da música, em que a tecnologia instrumental e a poética da mistura pesaram cada vez mais, com a introdução de espaçamentos progressivamente mais amplos, responsáveis por uma metafísica às avessas, em que as performances vão cada vez mais dependendo de "projetos", onde a idéia de "construção" passa a predominar cada vez mais e onde o projeto do corpo é imitar a antiga espontaneidade do corpo, reproduzida, aliás, com uma ênfase que não deixa de lembrar uma certa "nostalgia" desesperada. Mais uma vez lembro meu leitor de que não quero falar de valores, mas de coisas que se modificam e que se vão perdendo, para bem ou para mal. Seguramente, há o conforto da idéia de progresso ou evolução, mas o fato de haver nostalgia, por exemplo no gestuário vocal de Caetano Veloso, não é menos indicador de que o que se perdeu não volta mais, a não ser sob a forma de um ou outro sinal renitente.

Mas nós tínhamos dito que no show moderno de música popular há como que um rebaixamento da unidade criadora do sujeito e justificamos isso lembrando nossa própria condição de seres tecnologicamente envolvidos com a história. Dissemos que a poesia escrita e os ritmos populares encontram aí maior possibilidade de fusão e sobretudo "mistura" bem-ordenada, tendo em mente os pressupostos de uma arte popular feita de remanejamentos que possuem em si mesmos um princípio de gosto e equilíbrio. E mostramos que isto não é inédito (embora seja novo, no século XX). É normal. Como também é normal a antítese, ou seja, o trabalho artístico realizado pela mediação técnica mais essencialmente aderida à índole do indivíduo que cria. Dissemos que sempre existe a dimensão técnica. Sabemos, obviamente, que estamos saltando por cima de uma polêmica ainda aberta, que costumeiramente se traduz por uma briga entre os partidários da arte do sujeito, a arte simbólica, e os que militam diretamente em favor das técnicas superindividuais, os apreciadores do método alegórico.

Sinceramente, não sinto necessidade agora destas categorias, que, de tão batidas, têm virado lunetas que contemplam seu objeto a quilômetros de distância. Aliás, para que se acredite numa como na outra, precisa-se de antemão falar da aborrecida questão do sujeito, quando o que está em questão não é o sujeito, mas a particularidade do trabalho artístico. Esta particularidade, em qualquer técnica, e debaixo de qualquer condição de mundo, é o que pode dizer se o trabalho artístico se constitui num efeito simultaneamente ético e estético (quando falo de ética, basicamente penso naquilo que pode levar os homens a melhorarem seu espírito e seu mundo, com a ação livre e recíproca de um sobre o outro). E quando penso que Clementina de Jesus representa nosso exemplo mais próximo de um canto a palo seco, e excluo João Gilberto desta possibilidade, estou pensando em duas técnicas opostas, mas não penso que esta oposição defina valores por que se devam julgar a ambos. Meu interesse está nas relações de parentesco, que se aproximam e se afastam. Só me interessa a questão do valor quando esta é capaz de demonstrar equívocos perceptivos, como acontece quando a pedanteria julga que a canção popular não passa de uma banalidade horrenda, que jamais se deva levar em conta, como se leva em conta uma ária operística ou um lied de Schubert. Esse erro advém de uma teoria de valores que observa e escolhe como se faz num mercado, uma teoria de valores petrificada num gosto exclusivamente "moral". Mais do que tudo isso, é uma teoria "pessoal" de valores que não leva em conta a relação entre arte e existência, porque desconhece esta relação na prática "ilimitada" da vida. Ora, a canção popular, antes de cair sob o foco de uma análise qualquer, é um sinal da vida. E, mesmo que a considerássemos sob um foco crítico qualquer, isto não a rebaixaria diante de formações culturais consideradas "mais elevadas": enfim, ela acaba dizendo, por seus próprios meios, aquilo que o estilo elevado diz com outra complexidade. Quando eu ouço Nélson Cavaquinho, cantando coisas da morte, às vezes irrefreavelmente me lembro do que diz a chamada filosofia da existência, mas para pensar no quanto esta diz, no seu mundo, aquilo que Nélson diz de maneira quase anônima e fugaz:

"Quando eu passo
Perto das flores
Quase elas
Dizem assim:
Vai que amanhã
Enfeitaremos
O teu fim...".

Ora, no momento urbano e fugaz em que ouvimos Nélson Cavaquinho, é possível que nossa existência, se for franqueada por uma sensibilidade não-histérica, esteja mais emparentada com o sambista do que com os filósofos. O fato é que o samba ensina a mesma coisa de outro jeito, de um jeito que não pode ser substituído por um sinônimo filosófico. Não o samba em geral, tomado em sua dimensão triunfal e populista. Mas aquele samba que nos exprime no mundo, samba cujo prosaísmo é a nossa possível situação prosaica. Mas samba que de dentro deste prosaísmo desenrola dentro de nós uma sensação "inabitual". Como apreciador de Nélson Cavaquinho, estou mais interessado nas coisas inabituais capazes de trazer bem-estar, não só angústia. E sempre acreditei que estas coisas ensinassem mais que as idéias, porque elas é que contêm as idéias mais finas, aquelas que nascem da placenta do concreto. É impossível captá-las em discurso habitual. A profundidade vem mais do olhar e do ouvido do que da mente que constitui edifícios teóricos. É claro que se eu reproduzisse aqui algumas letras de Nélson Cavaquinho, e as comparasse com textos de filosofia, levaria de imediato meus argumentos a um anticlímax, porque as letras do primeiro só podem ser bem consideradas fora do papel, enquanto cantadas, acompanhadas por um violão asmático, de cordas de aço, atravessadas por uma voz antiga de mãe-de-santo, ironicíssima em sua primitividade, em sua imediatez de coisa viva. Minha comparação de Nélson Cavaquinho com a filosofia da existência poderá ser desmesurada ou idiossincrática, mas a angústia da morte que vige num como na outra é basicamente a mesma. Em Nélson Cavaquinho esta angústia é o próprio canto. Mesmo quando Nélson canta algum caso amoroso, é esta angústia que delicadamente subestima as dores idas e vividas do amor, em nome desta angústia maior. E esta angústia não pode ser simplesmente "relatada" ou "cantada" por outro. Ainda que outro possa falar sobre ela, não poderá dizê-la como fez Nélson Cavaquinho. Esta angústia é algo que se lê também na voz, e que por isso mesmo se torna verossímil. A voz de Nélson convence tanto quanto as palavras cantadas, tanto quanto o violão de sétima corda, de Dino, o de seis cordas, de Meira, a flauta do Altamiro. Há muitos textos e poemas sobre a angústia da morte. Difícil é encontrar esta angústia materializada no canto, nesse canto em que a angústia se equilibra com a beleza. Pois, afinal, a melhor pedagogia é a dos sentidos. Há na voz de Nélson Cavaquinho uma espécie de teatro barroco, em que as personagens são as subidas e descidas metódicas, as sílabas parecem engolir-se no momento patético, liquefazer-se no breque amargo. É a técnica fazendo força para casar-se às pulsões da existência. Essa, a meu ver, é a melhor técnica. Aquela que em cada traço leva o rastro sincero do corpo. O belo, aí, não depende de uma gramática do belo, mas ao contrário: esta é que deve refazer-se debaixo da percepção que deseja ser astuta e aberta. Em João Gilberto nós reconhecemos de imediato uma gramática da grandeza, uma metafísica do ouvido. Mas João Gilberto constrói coisas. Nélson Cavaquinho é a coisa. E, como lembrou outro formoso João, o das Veredas, há neste mundo quem queira ouvir o "quem das coisas".

Mas, se tentássemos encontrar alguém que ficasse a meio caminho entre João Gilberto e Nélson Cavaquinho, alguém que fosse um verdadeiro gênio da logopéia cantada, da surpresa silábica e rímica, toparíamos com Geraldo Pereira ("Baiana que entra no samba, só fica parada, etc."). Geraldo Pereira é a primeira grande sensibilidade prismática que aparece na história da canção urbana, sensibilidade sintonizada com os morros cariocas. Sua frase é invariavelmente sincopada, pinturesca, salta continuamente de um ângulo para outro, do discurso direto para o indireto, da fala feminina para a masculina, do tom naïve para a autoparódia. E tudo isto com hiperconcisão, como dele falou Caetano Veloso. Na verdade, suas composições são relicários malandros. Talvez Geraldo Pereira represente a única vocação espontânea de uma letrística não-linear na canção brasileira. O que se fez depois dele, como "Construção", de Chico Buarque, já faz parte de experiências literalizantes, decorrentes de uma estratégia que mudaria o eixo eu/mundo para o eixo eu/povo. As construções femininas de Chico Buarque, repetidas à saciedade em livros didáticos que desejam falar do trovadorismo e da "cantiga de amigo", são na verdade reproduções muito boas das mulheres de Eurípedes. São Fedras, Medéias do asfalto, mulheres direta ou indiretamente redimidas no analista. Geraldo, ao contrário, não tem concepção prévia de mulher. As mulheres, em sua música, simplesmente se exprimem como são, não exprimem apenas um lado da mulher. Chico Buarque é o grande letrista que conhecemos. Mas sua frase consegue os melhores efeitos na velha tradição da redondilha portuguesa ou então na fraseologia intensamente dramática, de cortar a pele. Portanto, sua ligação com a fala brasileira é vernacularmente mais controlada, mais abstrata que a de Nélson Cavaquinho e Geraldo Pereira.

E para os que desejam lírica pura, Cartola. Letristicamente, Cartola não tem a graça de Geraldo Pereira, nem a concentração dramática de Nélson Cavaquinho. Mas Cartola é mais musical e possui um sentido mais amplo do décor amoroso, tão intenso, que às vezes nos lembra a lírica arcaica da Grécia, sobretudo nos momentos em que se concentra no mutismo eloqüente das rosas.

2006-08-04 17:45:48 · answer #8 · answered by KIFRAN 3 · 0 0

Então, voce precisa conhecer a poesia de Manuel Bandeira.. pra começar! Dá uma uma olhada nesse site:

http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno11-04.html

Lá voce encontra obras assim:

VI ONTEM um bicho

Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

E isso a muitos anos atrás... Não deixe de ler também Passárgada!

2006-08-04 17:45:20 · answer #9 · answered by Anonymous · 0 0

Oussa legiao urbana.Pois a maioria das musicas deles sao baseadas em poemas.

2006-08-04 17:44:35 · answer #10 · answered by Himats 2 · 0 0

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