A Ciência tem em vista três grandes passos que irão permitir um desenvolvimento nunca visto.
Podemos chamá-los de revolução energética, revolução dos autômatos e revolução biológica.
O mundo civilizado vive hoje a terceira revolução industrial. Mas, desde a primeira, o sonho dos técnicos tem sido a obtenção de energia gratuita. Nossas atuais fontes de energia são três: energia elétrica, obtida das quedas-d'água que movem geradores elétricos; energia química, obtida da combustão (queima) de carvão e petróleo e energia nuclear, obtida do rompimento dos núcleos dos átomos pesados ¾ urânio e tório. Nenhuma das três é barata.
Além disso, devido ás nossas maneiras de usá-las ¾ alternadores, motores a explosão e turbinas a vapor ¾ , grande parte da energia produzida por essas fontes não é aproveitada.
Não possuímos ainda máquinas que, como o músculo animal, sejam capazes de aproveitar diretamente a energia química dos combustíveis. Mesmo a energia dos reatores atômicos é usada para aquecer água (os vapores produzidos é que move as turbinas); desenvolvimento ainda rudimentar da velha idéia de Heron.
Entretanto, temos agora a promessa de uma máquina que, mesmo se usada para acionar nossas primitivas turbinas a vapor, significará a energia quase grátis: a máquina termonuclear. Vários centros de pesquisa trabalham para realizá-la. Ela se baseia num princípio diverso: em vez de bombardear os núcleos pesados e extrair energia de sua ruptura, a máquina termonuclear fundirá os núcleos de lítio e hidrogênio, como acontece na bomba de hidrogênio. O difícil nesse processo é que para começar a reação de fusão é preciso aquecer a mistura a alguns milhões de graus (que na bomba H são conseguidos usando como espoleta uma bomba atômica).
Outro problema: de que fazer a parede de um motor para que ela resista a uma temperatura de milhões de graus sem vaporizar-se?
A resposta é, simplesmente faze-la de nada, isto é, vácuo. O lítio e o hidrogênio em forma de plasma (gás ionizado) serão mantidos suspensos magneticamente dentro de um tubo em anel, sem contato com as paredes do engenho. Apesar de, até então, as pesquisas ainda não terem alcançado êxito prático, isso se aproxima, vai acontecer.
Quando pudermos usar a energia termonuclear em escala industrial, o velho sonho estará realizado: energia praticamente grátis, tal é o rendimento da reação de fusão.
Vislumbre essa imagem: uma fábrica limpa e clara como um hospital. Silenciosa, cheia de tubulações pintadas em cores vivas e metálicas.
De um lado entra o petróleo bruto, do outro saem seus subprodutos: gasolina, gás, querosene etc. Tudo isso quase sem intervenção da mão humana. As máquinas sabem o que fazem. Produzem quantidades certas, sob temperaturas certas, adicionando os ingredientes certos. Percebem o momento das operações através de delicados "órgãos dos sentidos" distribuídos dentro dos tubos, mais ou menos como se distribuem dentro do nosso sistema circulatório os receptores que informam o cérebro do estado de oxigenação do sangue. Em vários pontos da usina, "gânglios nervosos", transistores de metal, tomam decisões a partir desses dados e usam seus ejetores, os "músculos" e "glândulas secretoras" da refinaria, para intervir no processamento da matéria-prima. A fábrica, é quase tão automática e inteligente quanto os delicados instrumentos que dirigem uma astronave em vôo, e é mais perfeita que qualquer trabalhador humano.
Essa imagem não é do futuro mas do presente. É a imagem das modernas refinarias de petróleo, as fábricas que empregam a menor quantidade de trabalho humano. E dentro de certo tempo, esses inteligentes animais domésticos que são nossas atuais refinarias parecerão velhos brinquedos perto das fábricas verdadeiramente inteligentes que serão construídas: autômatos gigantes que produzirão o necessário à vida dos homens, sem intervenção humana.
A atual superioridade dos cérebros eletrônicos sobre os nossos reside em sua velocidade, exatidão e infalível memória. Por exemplo, com o simples apertar de um botão, a máquina fornece todas as contas e operações em curso de um sistema financeiro em escala nacional. Operações que antes emperravam a vida econômica ¾ eram uma espécie de gargalo estreito retardando as decisões ¾ são agora instantâneas. Dentro de certo tempo, máquinas controlarão e organizarão a vida econômica de vastas regiões e, finalmente, de todo o globo. O ponto fraco dos atuais autômatos reside, porém, em serem ainda "gênios idiotas". Eles possuem fraca capacidade de discriminação e aprendizagem.
As refinarias foram as primeiras a ser automatizadas, exatamente porque é mais fácil examinar as variações de uma corrente líquida contínua, que flui por um tubo, do que discriminar diferenças entre peças metálicas complicadas, produzidas em série. Nenhum cérebro eletrônico é capaz de distinguir, na assinatura de um cheque, se ela é verdadeira ou falsa. Essa incapacidade de discriminação obriga as máquinas a receber informação dos relativamente lerdos e inexatos cérebros humanos. Com isso grande parte da eficiência destes velocíssimos aparelhos permanece desaproveitada.
Uma revolução ainda maior que as descritas anteriormente nos espera com o rápido evoluir da biologia.
Ainda em alguns livros discute-se sobre o mistério da vida ¾ e já nos laboratórios sintetizou-se, há bom tempo, uma molécula protéica que se auto-reproduz, como se estivesse viva. Hoje se fala do Genoma, dos clones etc. Vários centros de pesquisa dedicam-se exclusivamente aos estudos sobre a origem da vida na Terra.
A grande conquista da biologia, nos próximos decênios, será a fotossíntese artificial. Até agora, para nossa alimentação, temos dependido das plantas.
Mas isso terminará. Já estamos bem adiantados no estudo da fotossíntese. fabricaremos nossos próprios alimentos a partir do gás carbônico (CO2), água e luz solar. O fim da agricultura e da escravidão ao solo! Produção ilimitada de alimentos! Hidratos de carbono, proteínas, gorduras, vitaminas, tudo em quantidades ilimitadas. Novos alimentos, melhores que os naturais! Essa revolução depende do avanço da bioquímica.
A bioquímica é, a rigor, uma ciência extremamente jovem. Mas é dela que devemos esperar a maior das revoluções.
Não trará apenas á fotossíntese artificial que, associada às máquinas inteligentes e à energia termonuclear, tornará o homem quase independente dos trabalhos de produção. Trará também a transformação do próprio corpo humano e acelerará a evolução da espécie.
A bioquímica tornou-se a ciência-base da genética, apoiada no cálculo das probabilidades. Através dela, descobrimos o que são os misteriosos genes, portadores das características hereditárias: pedaços de moléculas de ácido desoxirribonucléico. É questão de tempo saber como alterar o patrimônio hereditário das espécies, inclusive o nosso que, aliás, precisa urgentemente de revisão e recondicionamento. (O homem, como a única espécie que não está mais sujeita à seleção natural, tem acumulado uma grande quantidade de genes "deletérios". A genética humana, em seus poucos anos de vida, já conseguiu acumular muitos dados sobre isso.)
Dentro de certo número de gerações poderemos planejar cientificamente nossos filhos. Serão mais fortes, mais inteligentes, mais resistentes às doenças e mesmo imunes a várias delas. E também dotados da possibilidade de viver por algumas centenas de anos. Isso, associado à produção de todos os alimentos pelos autômatos, trará naturalmente a necessidade de planejar cientificamente a própria população.
O leigo mal imagina o que se passa hoje nos laboratórios bioquímicos e com que velocidade as coisas estão sendo descobertas. Em função das notícias nos jornais e revistas ¾ aliás justificadas ¾ , o comum é pensar-se que a bioquímica está concentrada apenas na cura do câncer. Mas coisas muito mais radicais que essa serão obtidas em pouco tempo.
O evoluir da técnica tem feito com que, muito rapidamente, ciências antes separadas ¾ como química e biologia, biologia e eletrônica, biologia e física, biologia e matemática, matemática e lingüística ¾ se fossem fundindo em novas ciências: bioquímica, biofísica, biomatemática, biônica, semântica etc.
Essa fusão continua se processando.
Se a bioquímica vai libertar o homem da agricultura e a cibernética, com a automação, do trabalho manual, a fusão das duas o libertará das limitações do meio ambiente, pela criação dos biocibs, isto é, a associação entre seres vivos e aparelhos inteligentes.
Piccard Filho, para descer ao lugar mais profundo do oceano, a fossa das Filipinas (11 000 metros) teve de encerrar-se na esfera de aço do batiscafo "Trieste". Dentro dela quase não se podia mover. Há algum tempo a marinha americana anunciou que conseguiu "descer" (na realidade, a experiência foi realizada em tanques de pressão e não no mar) cães a 4 mil metros de profundidade, sem proteção alguma. O método consiste em encher os pulmões do animal com uma mistura de água e oxigênio, e mais algumas substâncias que "captam" o gás carbônico produzido. Pelo que se sabe via jornais, o processo ¾ que envolve uma traqueotomia, ou seja, abertura da traquéia · não foi tentada com mergulhadores humanos. Mas o projeto de pesquisa chama-se Man in the sea, ou seja: Homem no mar. A enorme vantagem deste sistema de brânquia artificial é que, ao contrário do método clássico de mergulho com escafandros autônomos, permite subidas e descidas muito rápidas, além de uma enorme autonomia.
Não podemos mais viver sem a Ciência. Nossa vida, hoje e no futuro, dependerá exclusivamente dela.
Comentários via e.mail
Amiúde, antes de publicar um texto, submeto-o à leitura de diversas autoridades científicas, nos diversos ramos do saber. Entendo que as palavras tentam traduzir uma idéia, assim como entendo as divergências entre as idéias das pessoas. A idéia que entendo como 'correta' e transformo em palavras pode e deve ser de outro modo para outros. A leitura, comentários e críticas são o que há de mais salutar na metodologia científico. Na Ciência, como sabemos, não há a "palavra da autoridade" e, muito menos, o lastramento baseado no senso comum. Na Ciência prevalece o fato, sua reprodução parametrizada e a coerência com a Natureza e, as palavras que resultam disso, essas sim, devem resultam de um consenso de todos. Todos podem participar, contestando ou aprovando --- isso é o que diferencia a Ciência das pseudociências.
Reproduzo abaixo os e.mails na ordem em que vão chegando:
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-----Mensagem Original-----
De: Alberto Mesquita Filho
Para: Luiz Ferraz Netto
Enviada em: domingo, 22 de outubro de 2000 15:39
Assunto: Re: Ciência - visão de futuro
Olá
Vou aqui apenas emitir minha "opinião" extraída de uma rápida leitura, e deixarei possíveis "críticas" para os próximos dias. O artigo está muito bom, como aliás, todo o conteúdo de seu site. Gostei em particular da maneira como a multidisciplinaridade é enfocada e a revalorização da bioquímica, que nas últimas décadas perdeu em prestígio para a genética. Obviamente, trata-se de uma conquista necessária e como você dá a entender, certamente haverá o caminho inverso, da genética para a bioquímica e desta para as ciências mais básicas, a culminar com a física.
Meu interesse pela física começou exatamente ao verificar esta transdiciplinaridade necessária. Jamais pensei em destronar a física moderna mas em conhecer a intimidade da fosforilação oxidativa e da cadeia de transporte de elétrons, tão importantes para que possamos entender o que está por trás dos sistemas respiração celular e fotossíntese, que nada mais são senão sistemas acoplados a máquinas manipuladoras de energia (mitocôndria e cloroplasto). Quando um elétron de uma molécula de clorofila recebe um quantum de energia vindo do Sol, e citando Szent Györgi, prêmio Nobel em fisiologia, "o que há de notável no caso é que o elétron sabe exatamente o que tem de fazer. Assim, esse pequeno elétron conhece uma coisa que todos os sábios de Princeton ignoram, e que só pode ser uma coisa muito simples". Pois tenho procurado por essa simplicidade.
Costumo dizer que os elétrons, em tais condições, ou em seus "saltos quânticos", estão em trajetórias "permitidas" (ou em regiões de confinamento adiabático, equivalentes às órbitas permitidas de Bohr), as mesmas que existem na intimidade de um supercondutor, quando ele também é acelerado (se não no sentido absoluto, pelo menos no sentido centrípeto, pois o circuito é circular) sem depreciar, num sentido termodinâmico, energia alguma, ainda que passem-se anos. Ou seja, o elétron quando em uma trajetória "permitida", permite o aproveitamento integral de suas variações energéticas (cinética + potencial).
2006-07-28 00:41:34
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answer #1
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answered by Pandora 5
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