Para aumentar o seu conhecimento sobre o tema lhe envio dois textos sobre ações afirmativas, mas também é necessário que você leia o Estatuto da Igualdade Racial e o Projeto de Lei das Cotas disponÃveis na internet.
Um abraço
Carlos
John Rawls formulou ação afirmativa em livro clássico (Folha de S.Paulo Caderno Mais - 09/07/06)
Conjunto de medidas que buscavam compensar a discriminação das minorias nos EUA e cuja parte mais visÃvel é a reserva de cotas nas universidades, a "ação afirmativa" tem suas bases no livro "Uma Teoria da Justiça" (ed. Martins Fontes), a principal obra do filósofo americano John Rawls, morto em 2002. Lançada em 1971, ela se tornou um clássico ao se propor a repensar, em bases modernas, a noção de "contrato social" derivada de autores como Hobbes, Locke e Rousseau. Para se chegar a uma sociedade justa, Rawls parte do princÃpio de que cada indivÃduo tem o direito à maior liberdade possÃvel -desde que ela seja compatÃvel com a maior liberdade possÃvel dos outros indivÃduos- e que as desigualdades socioeconômicas só são aceitáveis se servirem para promover o bem-estar dos menos favorecidos.
MANIFESTO EM FAVOR DA LEI DE COTAS
E DO ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL
AOS/ÃS DEPUTADOS/AS E SENADORES/AS DO CONGRESSO BRASILEIRO
A desigualdade racial no Brasil tem fortes raÃzes históricas e esta realidade não será alterada significativamente sem a aplicação de polÃticas públicas especÃficas. A Constituição de 1891 facilitou a reprodução do racismo ao decretar uma igualdade puramente formal entre todos os cidadãos. A população negra acabava de ser colocada em uma situação de completa exclusão em termos de acesso à terra, à instrução e ao mercado de trabalho para competir com os brancos diante de uma nova realidade econômica que se instalava no paÃs. Enquanto se dizia que todos eram iguais na letra da lei, várias polÃticas de incentivo e apoio diferenciado, que hoje podem ser lidas como ações afirmativas, foram aplicadas para estimular a imigração de europeus para o Brasil.
Esse mesmo racismo estatal foi reproduzido e intensificado na sociedade brasileira ao longo de todo o século vinte. Uma série de dados oficiais sistematizados pelo IPEA no ano 2001 resume o padrão brasileiro de desigualdade racial: por 4 gerações ininterruptas, pretos e pardos têm contado com menos escolaridade, menos salário, menos acesso à saúde, menor Ãndice de emprego, piores condições de moradia, quando contrastados com os brancos e asiáticos. Estudos desenvolvidos nos últimos anos por outros organismos estatais demonstram claramente que a ascensão social e econômica no paÃs passa necessariamente pelo acesso ao ensino superior.
Foi a constatação da extrema exclusão dos jovens negros e indÃgenas das universidades que impulsionou a atual luta nacional pelas cotas, cujo marco foi a Marcha Zumbi dos Palmares pela Vida, em 20 de novembro de 1995, encampada por uma ampla frente de solidariedade entre acadêmicos negros e brancos, coletivos de estudantes negros, cursinhos pré-vestibulares para afrodescendentes e pobres e movimentos negros da sociedade civil, estudantes e lÃderes indÃgenas, além de outros setores solidários, como jornalistas, lÃderes religiosos e figuras polÃticas – boa parte dos quais subscreve o presente documento. A justiça e o imperativo moral dessa causa encontraram ressonância nos últimos governos, o que resultou em polÃticas públicas concretas, dentre elas: a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, de 1995; as primeiras ações afirmativas no âmbito dos Ministérios, em 2001; a criação da Secretaria Especial para Promoção de PolÃticas da Igualdade Racial (SEPPIR), em 2003; e, finalmente, a proposta dos atuais Projetos de Lei que estabelecem cotas para estudantes negros oriundos da escola pública em todas as universidades federais brasileiras, e o Estatuto da Igualdade Racial.
O PL 73/99 (ou Lei de Cotas) deve ser compreendido como uma resposta coerente e responsável do Estado brasileiro aos vários instrumentos jurÃdicos internacionais a que aderiu, tais como a Convenção da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD), de 1969, e, mais recentemente, ao Plano de Ação de Durban, resultante da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em Durban, na Ãfrica do Sul, em 2001. O Plano de Ação de Durban corrobora a ênfase, já colocada pela CERD, de adoção de ações afirmativas como um mecanismo importante na construção da igualdade étnica e racial e essas medidas já se efetivam em inúmeros paÃses multi-étnicos e multi-raciais semelhantes ao Brasil. Ações afirmativas foram incluÃdas na Constituição da Ãndia, em 1949; adotadas pelo Estado da Malásia desde 1968; nos Estados Unidos desde 1972; na Ãfrica do Sul, em 1994; e desde então no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, na Colômbia e no México. Existe uma forte expectativa internacional de que o Estado brasileiro finalmente implemente polÃticas consistentes de ações afirmativas, inclusive porque o paÃs conta com a segunda maior população negra do planeta e deve reparar as assimetrias promovidas pela intervenção do Estado da Primeira República com leis que outorgaram benefÃcios especiais aos europeus recém chegados, negando explicitamente os mesmos benefÃcios à população afro-brasileira.
Colocando o sistema acadêmico brasileiro em uma perspectiva internacional, concluÃmos que nosso quadro de exclusão racial no ensino superior é um dos mais extremos do mundo. Para se ter uma idéia da desigualdade racial brasileira, lembremos que, mesmo nos dias do apartheid, os negros da Ãfrica do Sul contavam com uma escolaridade média maior que a dos negros no Brasil no ano 2000; a porcentagem de professores negros nas universidades sul-africanas, ainda na época do apartheid, era bem maior que a porcentagem dos professores negros nas nossas universidades públicas nos dias atuais. A porcentagem média de docentes nas universidades públicas brasileiras não chega a 1%, em um paÃs onde os negros conformam 45,6 % do total da população. Se os Deputados e Senadores, no seu papel de traduzir as demandas da sociedade brasileira em polÃticas de Estado não intervierem aprovando o PL 73/99 e o Estatuto, os mecanismos de exclusão racial embutidos no suposto universalismo do estado republicano provavelmente nos levarão a atravessar todo o século XXI como um dos sistemas universitários mais segregados étnica e racialmente do planeta! E, pior ainda, estaremos condenando mais uma geração inteira de secundaristas negros a ficar fora das universidades, pois, segundo estudos do IPEA, serão necessários 30 anos para que a população negra alcance a escolaridade média dos brancos de hoje, caso nenhuma polÃtica especÃfica de promoção da igualdade racial na educação seja adotada. Para que nossas universidades públicas cumpram verdadeiramente sua função republicana e social em uma sociedade multi-étnica e multi-racial, deverão algum dia refletir as porcentagens de brancos, negros e indÃgenas do paÃs em todos os graus da hierarquia acadêmica: na graduação, no mestrado, no doutorado, na carreira de docente e na carreira de pesquisador.
No caminho da construção dessa igualdade étnica e racial, somente nos últimos 4 anos, mais de 30 universidades e Instituições de Ensino Superior públicas, entre federais e estaduais, já implementaram cotas para estudantes negros, indÃgenas e alunos da rede pública nos seus vestibulares; e a maioria adotou essa medida após debates no interior dos seus espaços acadêmicos. Outras 15 instituições públicas estão prestes a adotar polÃticas semelhantes. Todos os estudos de que dispomos já nos permitem afirmar com segurança que o rendimento acadêmico dos cotistas é, em geral, igual ou superior ao rendimento dos alunos que entraram pelo sistema universal. Esse dado é importante porque desmonta um preconceito muito difundido de que as cotas conduziriam a um rebaixamento da qualidade acadêmica das universidades. Isso simplesmente não se confirmou. Uma vez tida a oportunidade de acesso diferenciado (e insistimos que se trata de cotas de entrada e não de saÃda), o rendimento dos estudantes negros não se distingue do rendimento dos estudantes brancos.
Outro argumento muito comum usado por aqueles que são contra as polÃticas de inclusão de estudantes negros por intermédio de cotas é que haveria um acirramento dos conflitos raciais nas universidades. Muito distante desse panorama alarmista, os casos de racismo que têm surgido após a implementação das cotas têm sido enfrentados e resolvidos no interior das comunidades acadêmicas, em geral com transparência e eficácia maiores do que havia antes das cotas. Nesse sentido, a prática das cotas tem contribuÃdo para combater o clima de impunidade diante da discriminação racial no meio universitário. Mais ainda, as múltiplas experiências de cotas em andamento nos últimos 4 anos contribuÃram para a formação de uma rede de especialistas e de uma base de dados acumulada que facilitará a implementação, a nÃvel nacional, da Lei de Cotas.
Para que tenhamos uma noção da escala de abrangência dessas leis a serem votadas, o PL 73/99, que reserva vagas na graduação, é uma medida ainda tÃmida: garantirá uma média nacional mÃnima de 22,5% de vagas nas universidades públicas para um grupo humano que representa 45,6% da população nacional. à preciso, porém, ter clareza do que significam esses 22,5% de cotas no contexto total do ensino de graduação no Brasil. Tomando como base os dados oficiais do INEP, o número de ingressos nas universidades federais em 2004 foi de 123.000 estudantes, enquanto o total de ingressos em todas as universidades (federais, estaduais, municipais e privadas) foi de 1.304.000 estudantes. Se já tivessem existido cotas em todas as universidades federais para esse ano, os estudantes negros contariam com uma reserva de 27.675 vagas (22,5% de 123.000 vagas). Em suma, a Lei de Cotas incidiria em apenas 2% do total de ingressos no ensino superior brasileiro. Devemos concluir que a desigualdade racial continuará sendo a marca do nosso universo acadêmico durante décadas, mesmo com a implementação do PL 73/99. Sem as cotas, porém, já teremos que começar a calcular em séculos a perspectiva de combate ao nosso racismo universitário. Temos esperança de que nossos congressistas aumentem esses Ãndices tão baixos de inclusão!
Se a Lei de Cotas visa nivelar o acesso à s vagas de ingresso nas universidades públicas entre brancos e negros, o Estatuto da Igualdade Racial complementa esse movimento por justiça. Garante o acesso mÃnimo dos negros aos cargos públicos e assegura um mÃnimo de igualdade racial no mercado de trabalho e no usufruto dos serviços públicos de saúde e moradia, entre outros. Nesse sentido, o Estatuto recupera uma medida de igualdade que deveria ter sido incluÃda na Constituição de 1891, no momento inicial da construção da República no Brasil. Foi sua ausência que aprofundou o fosso da desigualdade racial e da impunidade do racismo contra a população negra ao longo de todo o século XX. Por outro lado, o Estatuto transforma em ação concreta os valores de igualdade plasmados na Constituição de 1988, claramente pró-ativa na sua afirmação de que é necessário adotar mecanismos capazes de viabilizar a igualdade almejada. Enquanto o Estatuto não for aprovado, continuaremos reproduzindo o ciclo de desigualdade racial profunda que tem sido a marca de nossa história republicana até os dias de hoje.
GostarÃamos ainda de fazer uma breve menção ao documento contrário à Lei de Cotas e ao Estatuto da Igualdade Racial enviado recentemente aos nobres parlamentares por um grupo de acadêmicos pertencentes a várias instituições de elite do paÃs. Ao mesmo tempo em que rejeitam frontalmente as duas Leis em discussão, os assinantes do documento não apresentam nenhuma proposta alternativa concreta de inclusão racial no Brasil, reiterando apenas que somos todos iguais perante a lei e que é preciso melhorar os serviços públicos até atenderem por igual a todos os segmentos da sociedade. Essa declaração de princÃpios universalistas, feita por membros da elite de uma sociedade multi-étnica e multi-racial com uma história recente de escravismo e genocÃdio, parece uma reedição, no século XXI, do imobilismo subjacente à Constituição da República de 1891: zerou, num toque de mágica, as desigualdades causadas por séculos de exclusão e racismo, e jogou para um futuro incerto o dia em que negros e Ãndios poderão ter acesso eqüitativo à educação, à s riquezas, aos bens e aos serviços acumulados pelo Estado brasileiro. Essa postergação consciente não é convincente. Diante dos dados oficiais recentes do IBGE e do IPEA, que expressam, sem nenhuma dúvida, a nossa dÃvida histórica com os negros e os Ãndios, ou adotamos cotas e implementamos o Estatuto, ou seremos coniventes com a perpetuação da nossa desigualdade étnica e racial.
Acreditamos que a igualdade universal dentro da República não é um princÃpio vazio e sim uma meta a ser alcançada. As ações afirmativas, baseadas na discriminação positiva daqueles lesados por processos históricos, são a figura jurÃdica criada pelas Nações Unidas para alcançar essa meta.
2006-07-18 16:31:45
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answer #2
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answered by Kweisi Mfume 2
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