PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF) – ORIGINAL OU HIPERTROFIADO?
DESAFIOS ATUAIS NO RESGATE E ATUALIZAÇÃO DO MODELO
Hércules de Pinho*
Em 1994, definiu-se que o PSF seria “um modelo de reorganização da assistência à saúde com o objetivo de tornar as doutrinas do SUS uma prática”. Deveria “desenvolver ações de promoção e proteção à saúde tendo como foco a família inserida em uma comunidade participativa, através de equipes de saúde, que fariam o atendimento na unidade básica de saúde”.
O tempo que cada equipe deveria destinar ao atendimento da comunidade subdividia-se, no “PSF ORIGINAL”, em três partes iguais. A primeira, destinada à demanda espontânea, as duas outras, almejariam as ações de promoção, prevenção, proteção, reabilitação e as tradicionais atividades de programação, estruturação de grupos terapêuticos, visitas e internações domiciliares, dentre outros planejamentos.
Ao contrário do que se apregoava, o Ministério da Saúde sustentava que não se tratava de uma política para pobres, com utilização de baixa tecnologia. Neste primeiro momento, estimava-se que cada equipe atenderia entre 2.400 a 4.500 usuários. O sucesso da aboradagem tornou-se evidente logo nos seus quatro anos iniciais. Houve ampla aceitação do programa, sobretudo nos pequenos e preteridos municípios. Tudo isso, conseqüência da viabilização de uma equipe básica mínima – um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde. Outro ponto decisivo foi o alto percentual de assimilação dos “princípios-chave” do programa, isto é, a definição de territórios, adscrição e cadastro das famílias, prontuário familiar, SIAB e agenda programada. Esta concepção ORIGINAL constituía-se por atividades mínimas como, pré-natal de baixo risco, assistência ao puerpério não complicado, puericultura, promoção de saúde nos particulares grupos etários, pequenas cirurgias, exame de Papanicolaou, planejamento familiar, diagnóstico sindrômico de DSTs e AIDS, além da identificação e controle de pacientes hipertensos, diabéticos, tuberculosos e portadores de hanseníase. Era sufuciente a boa disponibilidade de instrumentos e apoio ao diagnóstico básico, na grande maioria das equipes! No entanto, uma era de equívocos irreparáveis começou a permear a ORIGINALIDADE: o agente de saúde, de líder comunitário, transfigurou-se em reles vínculo empregatício, a família foi deslocada para a penumbra, enquanto o foco realçava o controle individual. Sobreveio então, o delito maior, a descaracterização das ações básicas citadas. Vários municípios, capitaneados pelos de maior porte, incluíram muitas outras atividades no chamado “pacote básico de PSF”. Com isso, os parâmetros matemáticos e estatísticos estabelecidos inicialmente, além de esquecidos, foram atropelados! Estabeleceu-se então, a Atenção Básica à Saúde (ABS), em contraponto ao PSF ORIGINAL ?
Aterrizamos em 28 de março de 2006. Surge a ansiada portaria 648 que contempla uma das várias reivindicações – transformar um programa em estratégia! Mantendo e incrementando o incentivo, a priorização e o financiamento dos três níveis de governo, vislumbrando-se a reestruturação da atenção básica. Este programa/estratégia, que sofreu anos de incorporações indevidas de programas municipais indivíduo-centrado, dificilmente conseguiria de maneira isolada tanto reorganizar a atenção básica, quanto contribuir para a recuperação dos níveis secundário e terciário. A gravidade da questão pode ser constatada nos diversos municípios que “tocam” PSF HIPERTROFIADOS, valendo-se de parâmetros estabelecidos durante a CONSTITUIÇAO INICIAL do PSF. Qual o número máximo de usuários destes hipertróficos PSFs? A atual equipe básica comporta as ações instituídas no atropelo? Qual o perfil do atual agente comunitário? Há resquícios de liderança comunitária nestes indivíduos?
A desairosa situação é ainda mais pujante nos municípios de maior porte onde, a despeito da significativa e veloz deterioração dos parâmetros iniciais, divulgam-se, mídia afora, percentuais de cobertura amparados nos dados precursores. Apesar disso, e da escassez de médicos para os “novos” PSFs, observa-se ainda uma política expansionista aliada à desorientação dos programas de educação continuada, somados à recente e provocativa portaria, que tenta colocar médicos e enfermeiros em diferentes lados de um campo de batalha dado por atribuições específicas:
“Do Enfermeiro:
I - realizar assistência integral (promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde) aos indivíduos e famílias na USF e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc.), em todas as fases do desenvolvimento humano: infância, adolescência, idade adulta e terceira idade;
II - conforme protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições legais da profissão, realizar consulta de enfermagem, solicitar exames complementares e prescrever medicações;
“III - planejar, ...”
É prudente lembrar Aristóteles: "Qualquer um pode zangar-se – isto é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa – não é fácil."
Os companheiros da equipe básica também pacedem sob a atual HIPERTROFIA e devem ser convidados para reconstruir o modelo. O PSF ATUALIZADO deverá enfrentar estes novos desafios, revendo os parâmetros de assistência e cobertura. Neste momento, de importante subversão do modelo ORIGINAL, não deve ser aceito o esfacelamento da fundamental e já edificada multiprofissionalidade, mantendo-a respeitadora da interdisciplinaridade. Há uma clara compreensão de que o aumento do número de equipes, outrora brava e pertinentemente incentivado, deve hoje ser motivo de reflexão durante a redefinição da política de atenção à família e da construção do PSF ATUALIZADO. Caso este novo rumo não seja abraçado, pode-se em breve ocorrer um irremediável comprometimento dos sonhos preconizados desde 1988!
Portanto, que todos sejam convocados para uma reflexão sobre a urgente necessidade de iniciar-se o pacto de reorganização da estratégia de saúde da família, contestando-se inclusive a insalubre e desordenada expansão.
* Médico de Família
2006-07-03
06:38:34
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herculesdepinho
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Governo e Política
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