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Panorama da Realidade Cubana 1
CUBA, QUEM DIRIA, ESTÁ DANDO CERTO
Hélio Marcos Doyle
IÉ engraçado ouvir ou ler os comentários de alguns brasileiros que passam alguns dias em Cuba, a turismo ou a trabalho, e manifestam opiniões definitivas sobre o país. Horrorizam-se com as moradias precárias e deterioradas e com as crianças que lhes pedem balas e chicletes nas ruas. Há mendigos, alardeiam. Criticam as filas, impressionam-se com os ônibus lotados e espantam-se porque todos os cubanos não têm acesso a todos os serviços e bens de consumo. Vêem na existência de prostitutas e malandros nas ruas como prova definitiva de que Cuba vai mal, muito mal. Há pessoas que cometem atos ilícitos, roubando produtos nas fábricas e cometendo delitos, vejam só. E ainda lembram que milhares de cubanos procuram deixar o país, rumo aos Estados Unidos e a outros países do Primeiro Mundo.
Esses brasileiros - entre os quais alguns jornalistas -- voltam ao nosso país com a idéia de que Cuba está à beira do colapso, tal a crise econômica que enfrenta e a falta de perspectivas para superá-la. E transmitem isso aos que os ouvem e, no caso dos jornalistas, aos que os lêem ou assistem.
Parece que esses brasileiros não vivem no Brasil. Pois falam como se aqui não existissem favelas e pessoas morando sob pontes e marquises. Como se aqui não houvesse crianças pedindo nas ruas, nem mendigos. Como se não houvesse filas. Vendo-os criticar Cuba, a impressão que se tem é de que no Brasil o transporte coletivo funciona muito bem. E que, em nosso país, qualquer cidadão pode comprar o que quiser e freqüentar qualquer restaurante, sem se preocupar com os preços. Além disso, não há prostitutas nem malandros em nossas ruas, ninguém rouba e nenhum brasileiro deixa o país para tentar a vida nos Estados Unidos, no Japão e na Europa. O Brasil, a julgar pelos comentários desses brasileiros que criticam Cuba por coisas como essas, está em ótima situação econômica, em pleno desenvolvimento. Sem pobreza, sem miséria, sem fome e sem desemprego. E em excelente situação no que diz respeito à criminalidade e à moralidade pública.
II
Muitas críticas podem ser feitas a Cuba, e mais especificamente ao sistema político, econômico e social que lá vigora - e que, naturalmente, não é perfeito. Há problemas na sociedade cubana, e muitos. Mas esse tipo de críticas superficiais, de quem se esquece de olhar no espelho, cai no ridículo. São críticas que partem ou de um preconceito ideológico, ou de um desconhecimento profundo da real situação de Cuba ou do simplismo que caracteriza as observações de turistas apressados e jornalistas despreparados. Se deixassem o preconceito ideológico de lado e procurassem conhecer mais a realidade de Cuba, esses brasileiros saberiam que:
- Cuba é um país pequeno, um arquipélago de 110.922 quilômetros quadrados e 11,2 milhões de habitantes, e poucos recursos naturais. Um país colonizado pelos espanhóis, que o exploraram até 1898. Tem todas as características históricas e culturais dos países latino-americanos. É um país pobre, do Terceiro Mundo.
- Cuba sofre hostilidades praticadas pelos poderosos Estados Unidos da América, ou com sua cumplicidade, há 43 anos: não apenas um bloqueio econômico drástico, como também ações armadas, atos de terrorismo, atentados a dirigentes, transmissões radiofônicas e televisivas incitando à revolta, incentivos materiais e políticos à derrubada do governo e muitas outras.
- Com o fim da União Soviética e do bloco socialista europeu, de 1989 a 1991, Cuba passou a enfrentar uma crise econômica de enormes proporções. Perdeu, praticamente de um dia para outro, 85% de seu comércio externo. Seu Produto Interno Bruto caiu 34,8%, de 1990 a 1993. O déficit fiscal, em 1993, era de 33,5% do PIB. A relação peso-dólar chegou a 140 por 1.
- Mesmo sendo um pequeno país de Terceiro Mundo, enfrentando uma pesada crise econômica e sofrendo bloqueio econômico e hostilidades por parte da maior potência da Terra, Cuba apresenta indicadores sociais que a colocam ao lado das nações do Primeiro Mundo em termos de educação, saúde e previdência social. Esses indicadores são, hoje, melhores do que os de 1990. A taxa de mortalidade infantil, por exemplo, baixou de 11,1/1000 em 1989 para 6,2/1000 em 2001 - índice menor do que o dos Estados Unidos. A partir de setembro, nenhuma sala de aula em Cuba terá mais de 20 alunos.
- Sem recorrer ao Fundo Monetário Internacional e sem abdicar da soberania nacional, Cuba está em processo de recuperação econômica: o PIB vem crescendo desde 1994, alcançando 6,2% em 1999, 5,7% em 2000 e 3% em 2001 (a segunda taxa da América Latina, muito acima da média de seus países); o déficit fiscal foi reduzido para 3% do PIB; o desemprego urbano é de 4,5% (o segundo menor da América Latina). A relação peso-dólar é de 26 por 1. A economia cubana já recuperou 85% do que perdeu de 1989 a 1993.
- Cuba foi atingida no ano passado pelo pior furacão dos últimos 50 anos, o Michelle. Plantações foram destruídas, mais de 45 mil casas foram derrubadas ou danificadas, torres de transmissão de energia e de telecomunicações ficaram inoperantes, enfim, um prejuízo calculado em US$ 1,5 bilhão. Mesmo assim, ninguém ficou desamparado.
E apenas cinco pessoas morreram, graças às medidas de prevenção tomadas.
III
Não é justo, porém, exigir que todos os brasileiros que forem a Cuba passar uma ou duas semanas saibam tudo isso. Mas, se deixassem de lado os preconceitos ideológicos e o simplismo, e conseguissem refletir por mais de cinco minutos, esses observadores acidentais da vida cubana veriam que:
- Há muitas moradias precárias e deterioradas em Cuba, especialmente em Havana, a capital com dois milhões de habitantes. Havia até 1990 um enorme esforço de construção e recuperação de casas e apartamentos, reduzido em decorrência da crise econômica. Mas todos os cubanos têm uma casa, um endereço. Um aluguel sai por US$ 1 ou US$ 2, 85% das moradias são próprias. Ninguém mora nas ruas.
- Muitas crianças pedem balinhas e chicletes aos estrangeiros, pois lá não há a diversidade de confeitos que se encontra em outros países. Mas todas essas crianças têm casa, estão na escola, vestem-se decentemente e não passam fome. Os que pedem esmolas em Havana podem ser contados em duas mãos - são pessoas pobres, mas também têm suas casas e, diferentemente de muitos brasileiros, não passam fome. O governo cubano reconhece que 14% da população vive em situação precária - o que está muito longe de viver na miséria - e dá a essas pessoas uma atenção especial. E os índices de criminalidade em Cuba são baixíssimos, sendo o furto o crime mais comum.
- As filas são decorrência da carência de vários produtos e da relativa igualdade entre as pessoas, pois todos, sem exceção, têm direito aos mesmos produtos que integram a "libreta" - a cesta básica de alimentos e produtos que custa US$ 0,80 - e as atividades culturais, recreativas e desportivas são muito baratas. Quem for ao Parque Coppelia, em Havana, verá filas enormes, desde cedo, para tomar sorvete. Há filas porque todos os cubanos têm condições de tomar os sorvetes da Coppelia.
- Os ônibus são poucos, muitos deles - como os chamados "camelos" - são ruins e geralmente estão lotados. O transporte urbano é um dos maiores problemas do cotidiano cubano e a carona é uma instituição nacional. Mas há sensíveis melhoras em relação aos anos anteriores, inclusive com a montagem de ônibus, em Havana, por uma empresa cubano-brasileira, a Tranbuss.
- Uma das estratégias para enfrentar a crise econômica foi institucionalizar a dupla moeda em Cuba, uma medida considerada transitória. Por isso, há um mercado em dólares e outro em pesos, a moeda nacional, o que cria desigualdades sociais que não existiam antes. Quem tem acesso ao dólar (estima-se que, em variadas medidas, 64% da população), ou quem tem mais dólares, tem acesso a produtos e serviços que não estão ao alcance dos que têm apenas pesos. Uma desigualdade, porém, milhares de vezes menor do que a que existe no Brasil ou em qualquer país da América Latina.
- Há prostitutas (e prostitutos) em todos os lugares de mundo, e em Cuba também. Lá, como no Brasil, vender o corpo não é crime. A diferença é que a prostituição em Cuba não é questão de sobrevivência, mas de opção de vida em busca de um melhor padrão de consumo proporcionado pelo dólar. Aumentou, na década de 90, em decorrência do enorme crescimento do fluxo de turistas e de estrangeiros.
- Há malandros também, pessoas que abordam os estrangeiros para vender produtos roubados ou falsificados (principalmente charutos), ou oferecer seus serviços informais de "guia turístico", cafetão ou algo semelhante. Há funcionários e trabalhadores que cometem ilícitos, menores ou maiores, para ganhar um "extra", em dólares - de preferência - ou em pesos. É uma conseqüência da crise econômica, do crescimento do turismo e da dupla moeda. Mas em Cuba não há corrupção sistemática no governo, e isso é reconhecido por todos que lidam com as autoridades do país.
- Do mesmo jeito que há cubanos querendo ir para os Estados Unidos e outros países desenvolvidos, em busca de melhores oportunidades, há brasileiros, mexicanos, hondurenhos, argentinos, equatorianos, haitianos... A imigração é uma aspiração compreensível. Muitos cubanos que não conseguem obter o visto de entrada no consulado norte-americano em Havana tentam entrar ilegalmente nos Estados Unidos, da mesma maneira como outros latino-americanos - a diferença é que são apenas 180 quilômetros de distância por mar e a lei norte-americana incentiva as saídas ilegais, ao receber os cubanos que tocam o solo dos Estados Unidos, enquanto manda devolver aos países de origem os demais estrangeiros.
IV
É claro que os problemas de Cuba não se limitam a esses citados, geralmente os mais alardeados. Há outros problemas econômicos e sociais, até mais graves, mas há também críticas ao sistema político: alega-se que não há democracia, não há eleições livres, que a população é subjugada pelo Partido Comunista, que não há liberdade de imprensa, que o regime é policial, os direitos humanos não são respeitados. Em Cuba, há uma resposta para cada contestação, embora se admita a necessidade de aperfeiçoar - mas não mudar - o sistema político.
Essa é uma discussão inócua, se feita superficialmente ou para que um lado convença o outro (o que jamais acontecerá). Os conceitos da democracia socialista, na visão marxista, não são os mesmos da democracia capitalista. Não pode haver democracia socialista em um país capitalista, e vice-versa. Logo, a contestação ao tipo de democracia que se pratica é a contestação à raiz do próprio sistema.
Há, porém, um fato inegável: a maioria da população cubana aprova o sistema e o governo. Há indicadores confiáveis para demonstrar isso, entre os quais até uma pesquisa realizada por instituto norte-americano. Mas basta ir além das áreas turísticas e das conversas com os que cercam os estrangeiros nas proximidades dos hotéis para verificar pessoalmente isso. Não é que a população esteja plenamente satisfeita. Há reclamações, queixas. Situadas, porém, dentro do sistema. Há uma consciência majoritária de que os cubanos estão em melhor situação do que a maioria dos que vivem em outros países latino-americanos, inclusive no nosso. E que um retorno ao capitalismo causaria mais prejuízos do que vantagens.
Além do que ninguém pode achar que, em uma sociedade plenamente participativa como a cubana (fato que também se desconhece fora de Cuba), o povo não derrubaria o governo e o sistema se quisesse. Ainda mais tendo ao lado os Estados Unidos, ansiosos por isso. Um dado pouco levado em conta nas avaliações que são feitas fora de Cuba é que o sistema contou com uma ampla base de apoio social mesmo nos piores momentos da crise econômica, de 1992 a 1994, quando faltavam alimentos, veículos não circulavam e fábricas estavam fechadas porque não havia combustível, os apagões chegavam a oito ou dez horas por dia.
Em Cuba não há miseráveis nem ricos. As pessoas se situam entre a pobreza com decência e a classe média "baixa", com alguns bolsões, mais recentemente, de classe média "média". Como a opção é pela igualdade, ainda que menor do que a que existia nos anos 80, o estilo de vida é modesto e austero. A classe média brasileira, que vai a Cuba a passeio ou a trabalho, tem, é lógico, dificuldade em entender e aceitar isso. Compara o padrão de vida dos cubanos não ao padrão de vida da maioria dos brasileiros, mas ao seu padrão de classe média "média" e "alta". E rejeita o socialismo, independentemente de razões políticas, porque fatalmente perderia renda e nível de vida se o sistema fosse adotado no Brasil.
V
Pode-se optar pelo capitalismo ou pelo socialismo, gostar ou não do sistema cubano. Mas não há como negar que nenhum país latino-americano (para nos restringirmos à nossa região) enfrenta uma crise econômica:
1 - com as proporções da enfrentada por Cuba;
2 - sob o bloqueio econômico que sofre Cuba;
3 - mostrando índices de recuperação econômica como os de Cuba;
4 - sem recorrer aos Estados Unidos e ao FMI e sem abdicar de sua soberania nacional e do controle de sua economia;
5 - sem provocar altos índices de desemprego e a exclusão e marginalização de parcela de sua população;
6 - sem que essa crise se transforme em crise política, com protestos de rua e instabilidade social;
7 - com o presidente da República mantendo e até aumentado sua popularidade.
Cuba tem imensos problemas, mas seguramente não é o país em pior situação na América Latina. Economicamente, recupera-se. Socialmente, é equilibrado e estável.
Politicamente, tem um peso específico muito superior às suas reais dimensões. E, apesar de suas fragilidades, não teme desagradar os Estados Unidos ao defender suas posições de princípio.
Cuba está dando certo, e por isso incomoda muita gente. Que então fala em casas precárias, ônibus lotados, crianças pedindo chicletes, prostitutas, emigrantes clandestinos...
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Hélio Marcos Doyle
Professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, membro do NesCuba. Autor da dissertação de mestrado "Revolução e Democracia: o Poder Popular em Cuba" (1992) e elaborando tese de doutorado sobre a abertura de Cuba ao capital estrangeiro.
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2006-06-16 11:29:10
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answer #2
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answered by Anonymous
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Que é ser socialista?
Olavo de Carvalho
Jornal da Tarde, 28 de outubro de 1999
O socialismo matou mais de 100 milhões de dissidentes e espalhou o terror, a miséria e a fome por um quarto da superfície da Terra. Todos os terremotos, furacões, epidemias, tiranias e guerras dos últimos quatro séculos, somados, não produziram resultados tão devastadores. Isto é um fato puro e simples, ao alcance de qualquer pessoa capaz de consultar O Livro Negro do Comunismo e fazer um cálculo elementar.
Como, porém, o que determina as nossas crenças não são os fatos e sim as interpretações, resta sempre ao socialista devoto o subterfúgio de explicar essa formidável sucessão de calamidades como o efeito de acasos fortuitos sem relação com a essência da doutrina socialista, a qual assim conservaria, imune a toda a miséria das suas realizações, a beleza e a dignidade de um ideal superior.
Até que ponto essa alegação é intelectualmente respeitável e moralmente admissível?
O ideal socialista é, em essência, a atenuação ou eliminação das diferenças de poder econômico por meio do poder político. Mas ninguém pode arbitrar eficazmente diferenças entre o mais poderoso e o menos poderoso sem ser mais poderoso que ambos: o socialismo tem de concentrar um poder capaz não apenas de se impor aos pobres, mas de enfrentar vitoriosamente o conjunto dos ricos. Não lhe é possível, portanto, nivelar as diferenças de poder econômico sem criar desníveis ainda maiores de poder político. E como a estrutura de poder político não se sustenta no ar mas custa dinheiro, não se vê como o poder político poderia subjugar o poder econômico sem absorvê-lo em si, tomando as riquezas dos ricos e administrando-as diretamente. Daí que no socialismo, exatamente ao contrário do que se passa no capitalismo, não haja diferença entre o poder político e o domínio sobre as riquezas: quanto mais alta a posição de um indivíduo e de um grupo na hierarquia política, mais riqueza estará à sua inteira e direta mercê: não haverá classe mais rica do que os governantes. Logo, os desníveis econômicos não apenas terão aumentado necessariamente, mas, consolidados pela unidade de poder político e econômico, terão se tornado impossíveis de eliminar exceto pela destruição completa do sistema socialista. E mesmo esta destruição já não resolverá o problema, porque, não havendo classe rica fora da nomenklatura , esta última conservará o poder econômico em suas mãos, simplesmente trocando de legitimação jurídica e autodenominando-se, agora, classe burguesa. A experiência socialista, quando não se congela na oligarquia burocrática, dissolve-se em capitalismo selvagem. Tertium non datur . O socialismo consiste na promessa de obter um resultado pelos meios que produzem necessariamente o resultado inverso.
Basta compreender isso para perceber, de imediato, que o aparecimento de uma elite burocrática dotada de poder político tirânico e riqueza nababesca não é um acidente de percurso, mas a conseqüência lógica e inevitável do princípio mesmo da idéia socialista.
Este raciocínio está ao alcance de qualquer pessoa medianamente dotada, mas, dada uma certa propensão das mentes mais fracas para acreditar antes nos desejos do que na razão, ainda se poderia perdoar a essas criaturas que cedessem à tentação de “fazer uma fezinha” na loteria da realidade, apostando no acaso contra a necessidade lógica.
Ainda que imensamente cretino, isso é humano. É humanamente burro insistir em aprender com a experiência própria, quando fomos dotados de raciocínio lógico justamente para poder reduzir a quantidade de experiência necessária ao aprendizado.
O que não é humano de maneira alguma é rejeitar a um tempo a lição da lógica que nos mostra a autocontradição de um projeto e a lição de uma experiência que, para redescobrir o que a lógica já lhe havia ensinado, causou a morte de 100 milhões de pessoas.
Nenhum ser humano intelectualmente são tem o direito de apegar-se tão obstinadamente a uma idéia ao ponto de exigir que a humanidade sacrifique, no altar das suas promessas, não apenas a inteligência racional, mas o próprio instinto de sobrevivência.
Tamanha incapacidade ou recusa de aprender denuncia, na mente do socialista, o rebaixamento voluntário e perverso da inteligência a um nível infra-humano, a renúncia consciente àquela capacidade de discernimento básico que é a condição mesma da hominidade do homem. Ser socialista é recusar-se, por orgulho, a assumir as responsabilidades de uma consciência humana.
2014-08-27 04:18:42
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answer #5
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