Eleições no Brasil
Direito ou dever às urnas
Fala-se muito que o voto é uma conquista de liberdade. É um direito e um dever do cidadão. Mas será que por tratar de liberdade de um povo esse mesmo voto não deveria ser espontâneo, optativo e voluntário?
Em minha opinião, o voto livre deve ser defendido por razões filosóficas, e não táticas ou estratégicas. Além do mais, como político, acredito que o voto, em seu pleno direito-dever, é uma ambigüidade. Para mim, ou o voto é um direito ou um dever. Para ser direito, deveria ser exercitado com liberdade e não um dever ameaçado com multa ou outras punições quando não exercido na forma da lei. Afinal, que sistema político é esse que determina multa de R$ 1 a R$ 3 caso o eleitor não vote ou justifique sua ausência perante o Juiz Eleitoral? Ou ainda, que fique impedido de concorrer a cargo ou função pública? Ou mesmo que não receba seus vencimentos ou salário de função ou emprego público?
Há duas formas de cumprir um dever. Podemos agir "de acordo com o dever" ou "pelo sentido do dever". Quando respeitamos o uso do cinto de segurança por medo de receber multa, estamos agindo "de acordo com o dever". Mas podemos também usar o cinto por acreditar que ele é uma forma de estarmos seguros no trânsito, por exemplo. Nesse caso, agimos "pelo sentido do dever". Quando eu passo a usar o cinto de segurança por acreditar no benefício e não pelo peso da multa que vou levar, sou mais livre do que na hipótese inversa. Estou agindo menos por interesse próprio e mais porque decidi exercer minha racionalidade.
Com o voto obrigatório pode ser a mesma coisa. De algum modo reduzimos o grau de liberdade que existe por trás da decisão espontânea do cidadão de ir à seção eleitoral e escolher um candidato.
A grande maioria dos países que ainda cobram o voto obrigatório faz parte do "Terceiro Mundo", como Peru, Paraguai, Chile, Moçambique, Venezuela, Uruguai, México, Angola, Filipinas, Costa Rica, Honduras, Argentina, Grécia, Guatemala, além, é lógico, do Brasil. Que pena!
No mundo desenvolvido chama a atenção Bélgica, Austrália, França, Itália e Portugal justamente por ainda adotarem o voto obrigatório. Acredito que muito em breve, nesses países, ele também será facultativo, até porque o debate pelo fim do voto obrigatório é crescente. Os australianos, inclusive, criaram uma expressão para designar o voto apático do cidadão que vai às urnas somente para evitar complicações burocráticas: "donkey vote" (voto burro).
Por natureza, as pessoas não gostam de sentir-se obrigadas a cumprir regras, estão cansadas de ouvir sobre corrupção política, descontentes com o governo, enfim, vários motivos justificam o desinteresse pelas eleições. Mas, o voto nada mais é do que o instrumento de participação dos cidadãos na conformação do poder político, e o que falta é esta conscientização, ou seja, o eleitor deveria usar esse instrumento por convencimento e de forma absolutamente espontânea.
Para a nossa Nação, a nova Carta Política representou, sem dúvida alguma, um avanço expressivo para a construção da nossa democracia. Facultou o voto para os analfabetos, assim como para os maiores de setenta anos e maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Poderia ter ido mais longe. Poderia ter instituído o voto facultativo como regra. Não o fez. Mais uma vez, que pena!
Hoje, a grande maioria dos países do mundo pratica o voto facultativo e não há notícias de que vivam, por isso, em crise institucional ou de legitimidade do poder. Os argumentos de que o fim do voto obrigatório seria fator para desestabilizar a sociedade não passam de terrorismo de opinião e não encontram respaldo em prática alguma. Afinal, países extremamente desenvolvidos como os Estados Unidos, Áustria, Suíça, Alemanha, Japão, Espanha, Holanda, Canadá, Suécia, e até países pobres, como Argélia e Cabo Verde, desmentem categoricamente essa falácia. Além do mais, uma centena de países que adotaram o voto facultativo são exemplos de democracia em todo o mundo. Pode até ser coincidência, mas não devemos menosprezá-la.
O engraçado é que há mais de uma década, em pesquisa eleitoral realizada pelo Datafolha, aproximadamente 40% da população não votaria se não fosse obrigada. A maioria composta por pessoas de baixa renda e escolaridade. Ou seja, exatamente a parcela da população menos preparada e informada para traduzir seus anseios e aspirações em voto, ficando, assim, mais suscetíveis a qualquer tipo de manipulação.
Uma das propostas mais importantes da reforma política é a adoção do voto facultativo. E não é à toa que nas principais democracias representativas o voto é sempre facultativo.
Por vezes me pergunto: além de universal, secreto e periódico, o voto também deve ser obrigatório? O voto obrigatório é compatível com princípio do governo democrático? A obrigatoriedade do voto traz alguma contribuição para o aperfeiçoamento da democracia?
Acredito que, em um primeiro momento, possa haver, por parte da população, um sentimento de alívio por não ter mais de votar. Mas isso será logo superado. Os brasileiros terão a certeza do jogo democrático, a integração decisiva para o progresso nacional. Afinal, hoje temos uma grande camada de eleitores que já demonstram descrença política a partir do momento que votam em branco, anulam seu voto ou mesmo se abstêm de votar. Prova disse são os números da última eleição presidencial: dos 106.101.067 brasileiros aptos a votar, 21,49% deixaram de comparecer às urnas, 8,03% foram até às urnas obrigados e votaram em branco e 10,67%, também obrigados a comparecer às urnas anularam seus votos. Isso quer dizer que perdemos 40% dos eleitores, ficando apenas 60% dos votos válidos. Pesquisa recente mostrou que 70% dos brasileiros são favoráveis ao voto não obrigatório no Brasil.
Aprovada a mudança constitucional, haverá grande avanço no cenário político. Favorecerá, sim, o cumprimento de propostas de campanha, através de mandato coerente e responsável, sob pena de não despertar o mesmo interesse do eleitor em uma próxima eleição. Evitaríamos o tão conhecido voto de deboche, desprezo ou ira, comum nos dias de hoje pela simples obrigatoriedade imposta pela Constituição.
Com a "abolição" do voto obrigatório o custo do processo político seria menor, menos desvirtuado e com reduzido risco de aventuras políticas. O voto deixaria de ser "o fardo da cidadania" para ser a consciente e estudada expressão da vontade popular.
2006-09-29
05:42:07
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lacanfco
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